Das Cartas da Itália de Samuel Sharp, cirurgião e músico amador. Nápoles, 1765 d.C.
Sir,
Um estrangeiro, ao chegar na imensa e celebrada cidade de Nápoles, em geral faz dos espetáculos públicos o seu primeiro interesse. Esses consistem no Teatro do Rei, onde a Opera seria é apresentada, e em mais dois teatros menores, chamados Teatro Nuovo e Teatro dei Fiorentini, onde se exibem somente óperas burlescas. Há também uma pequena espelunca, onde eles encenam uma comédia a cada noite, ainda que em Nápoles as peças de teatro sejam tão pouco encorajadas que tais comédias acabam sendo frequentadas raríssimas vezes pela nobreza.
O Teatro do Rei, à primeira vista, é, talvez, um objeto quase mais notável do que qualquer outro que um homem possa ver em suas viagens: não falo só de meus próprios sentimentos, mas com base nas declarações de todo tipo de estrangeiro por aqui. A incrível extensão do palco, com a prodigiosa circunferência dos camarotes e a altura do teto, produzem um efeito maravilhoso na mente por alguns momentos; mas no instante em que a ópera começa, o espectador lamenta essa impressionante visão. Ele imediatamente percebe que a estrutura não é gratificante para o ouvido, por mais que o seja para os olhos. As vozes são afogadas na imensidão desse espaço, e mesmo a orquestra, ainda que numerosa, sofre com essa desvantagem: verdade seja dita, alguns dos melhores cantores podem ser ouvidos, contudo, no todo, deve-se admitir que a casa é melhor projetada para se ver do que para se ouvir uma ópera.
Há quem diga que os cantores poderiam ser ouvidos em alto e bom som, se a audiência fosse mais silenciosa; mas é um costume tão difundido em Nápoles, e, de fato, em toda a Itália, considerar a ópera como um lugar de encontro e convívio, que eles não parecem prestar a mais mínima atenção à música, mas riem e falam durante todo o espetáculo, sem qualquer freio; e, como se pode imaginar, uma plateia com centenas de pessoas conversando entre si tão ruidosamente, acaba por encobrir completamente a voz dos cantores.
Não obstante o inacreditável barulho do público durante toda a performance da ópera, tão logo começam as danças se faz um silêncio universal, que dura o tempo que duram as danças. As pessoas sagazes, portanto, sempre me dizem: os napolitanos vão para ver, não para ouvir uma ópera. O estrangeiro que tiver um mínimo de compaixão em seu peito se compadece dos pobres cantores, tratados com tanta indiferença e desprezo: ele quase se espanta com o fato de que eles possam se submeter a uma afronta tão grosseira; e parece-me, pelo que eles mesmos me confidenciaram, que por mais acostumados que estejam, a humilhação é sempre terrível, e eles estão sempre prontos a declarar o quão contentes ficam quando cantam em um país onde se presta mais atenção aos seus talentos.
Os napolitanos bem nascidos raramente jantam ou ceiam uns com os outros, e muitos deles quase nunca se frequentam, a não ser na ópera; a ela quase nunca faltam, ainda que a ópera seja apresentada por três noites sucessivas, e que seja a mesma ópera, sem qualquer mudança, durante dez ou doze semanas. Os fidalgos costumam circular de camarote em camarote entre os atos ou mesmo durante o espetáculo; mas as damas, depois que sentam, jamais deixam seu camarote durante toda a noite. É costume marcar encontros em tais ou tais noites. Uma dama recebe visitantes em seu camarote uma noite, e eles permanecem com ela durante toda a ópera; na outra noite ela retorna a visita da mesma maneira. No intervalo dos atos, principalmente entre o primeiro e o segundo, o proprietário do camarote presenteia seus convivas com frutas geladas e doces.
Além dessa indulgência para com as conversações barulhentas, eles se juntam por vezes para um carteado; mas, creio eu, este hábito não tem tanta vazão hoje em dia quanto teve no passado, pois eu nunca vi, numa mesma noite, mais do que dois ou três camarotes assim ocupados.
Os homens na plateia não têm, de um modo geral, um bom aspecto; pois ainda que haja muitos oficiais bem vestidos, eles e os fidalgos formam uma porção consideravelmente reduzida da audiência. Há um bando de homens vulgares que frequentam a plateia, e um bando ainda mais vulgar que não paga nada por suas entradas, tais como os servos mais distintos das damas donas dos camarotes, ou os servos mais distintos dos embaixadores, e, algumas vezes, pagando uns trocados aos porteiros, estes servos introduzem seus amigos. Não se deve omitir, dentre as objeções ao imenso tamanho da casa e do palco, que, num tempo ventoso, parece que você está nas ruas, tão forte é o vento que sopra na plateia e nos camarotes; e raras vezes isso acontece sem causar resfriados e febres.
O empresário, ou gerente, se submete a péssimos termos, tais que seus ganhos são desprezíveis, e por vezes ele fica no prejuízo.
Você estará se perguntando como tomei conhecimento destes detalhes; o acaso os jogou em meu caminho, e você pode confiar na sua autenticidade.