O Matrimônio Secreto

Tradução do libreto Il Matrimonio Segreto, ópera do compositor italiano Domenico Cimarosa.
Viena, 7 de fevereiro de 1792.
Ato I.
Tradução: Irineu Franco Perpetuo

 

Cena VI

O senhor Geronimo e Carolina entram.

 

GERONIMO

Antes que o Conde chegue, quero alegrá-la. Quero que todos hoje felicitem minha sorte. Escute… Você também será esposa de um cavalheiro; a proposta chegou agora, e hoje deve acontecer o desenlace. Ria, ria, menina!

 

CAROLINA (para si)

Oh, coitada de mim! Aqui começa minha ruína, se Paolino não se apressar.

 

GERONIMO

Por que não está rindo, e fazendo essa cara feia?

 

CAROLINA

Estou com dor de cabeça.

 

GERONIMO

(escuta e entende errado)

Se ele é bom da cabeça?

É um cavalheiro,

você não vai querer que tenha talento!

 

CAROLINA (para si)

Ah! Sinto falta de conselho numa hora dessas!

 

Cena VII

 

PAOLINO (alto)

Senhor, o Conde está aqui!

 

GERONIMO

O Conde? Oh! Rápido, rápido…

voltaremos a nos falar…

vamos descer, para encontrá-lo lá embaixo.

 

PAOLINO

Ele anda mais rápido do que nós!

 

N. 6 – Cavatina

CONDE

Sem cerimônia, sem cerimônia,

estou chegando com simplicidade,

Saudações a todos!

Não se incomodem, não quero,

não costumo fazer reverências.

Só um abraço no sogro

(para Fidalma)

Sou seu servo…

(para Elisetta)

Não me afasto do dever;

beijo sua bela mão…

(para Carolina)

Venho à senhorita, sim, venho à senhorita

que tem olhos tão belos…

Paolino, meu amigo,

aqui reina apenas a graça e o brio.

Belo pai! Belas filhas!

São encantos, maravilhas,

são alegrias… mas perdão…

deixem-me respirar

ou meu pulmão vai rebentar.

 

ELISETTA, CAROLINA, FIDALMA

Tome fôlego então,

e depois poderá continuar.

PAOLINO (para si)

Não percebe nem vê que está muito caricatural.

 

GERONIMO (para si)

Ouvi, escutei,

mas não entendi nada.

 

ELISETTA, CAROLINA, FIDALMA, GERONIMO, PAOLINO (para si)

Na verdade, tenho a impressão de que um tambor tocou.

 

CONDE (para si)

Sem ser afetado,

distingo-me pela educação.

 

Recitativo

GERONIMO

Com certeza, deve estar cansado, Conde, genro amado. Ei! Façam-no sentar!

 

CONDE

Não, não, não quero sentar. Sou disposto e sou robusto, e correr não me faz mal.

 

PAOLINO

É bom levantar um pouco a voz.

 

CONDE

Com vossa permissão, vou para junto da esposa, para fazer o devido cumprimento.

 

GERONIMO

Oh, fique à vontade, meu Conde, que isso é de jure. E sei que, nesses encontros, o pai se torna inoportuno. Vou embora com Paolino, para fazer outras coisas. A irmã e a tia ficam com a esposa.

 

(sai com Paolino)

 

Cena VIII

 

CONDE (aproximando-se de Carolina)

Permita-me então, minha querida esposinha…

 

CAROLINA

Oh, não senhor.

Está enganado. Não sou eu;

quem tem tamanha honra é minha irmã.

 

CONDE

Estou enganado?

 

FIDALMA

Com certeza.

 

CAROLINA

Para lá, para lá deve se encaminhar.

 

FIDALMA

Para cá, para cá.

 

CONDE (para Fidalma)

Desculpe, minha senhora. Então você…

 

FIDALMA

Não senhor; ainda está enganado.

 

CONDE

Estou enganado ainda?

 

ELISETTA

Com certeza.

Mas acho que está de brincadeira.

Sou aquela que o céu lhe deu como destino;

sou a que merece a honra

de apertar a sua mão, de lhe dar o coração.

 

CONDE (para si)

Diacho!

(para Elisetta) A esposa é a senhorita?

 

ELISETTA

Sim, senhor, sou eu!

O senhor por acaso acha…

 

CONDE

Não… mas… perdão…

A senhorita, com certeza?

 

ELISETTA

Com certeza.

 

FIDALMA

Com segurança.

 

CAROLINA

Indubitavelmente.

 

CONDE

O coração me enganou;

estou doído e desconsolado.

 

N. 7 – Quarteto

CONDE (para si)

Sinto no peito um gelo frio

que vem me cercando o coração.

Só a outra, oh céus,

pode me inspirar um justo ardor.

 

ELISETTA (para si)

Mal entendo tamanha surpresa,

o que ela quer dizer?

Tenho no peito um veneno perverso

que me está dilacerando.

 

CAROLINA (para si)

Frio, ele ficou frio;

ela está confusa.

Assim o seu orgulho

será um pouco castigado.

 

FIDALMA (para si)

Todos ficaram em silêncio,

sei bem o que isso quer dizer.

Acho que já estou vendo

uma tempestade turbulenta.

 

ELISETTA, CAROLINA, FIDALMA, CONDE (para si)

Tenho uma ânsia dentro do peito,

meu coração palpita;

Não vejo mais o céu sereno,

não sei mais o que será.

 

Cena IX

 

Recitativo

PAOLINO

Não devo adiar muito a revelação. O Conde, afinal, é um homem do mundo, um homem de experiência, quer-me bem, e me dará ajuda.

 

CAROLINA

Ah, meu Paolino…

 

PAOLINO

Minha querida esposa…

 

CAROLINA

Não via a hora de poder vê-lo a sós. Saiba que qualquer demora agora é perigosa; meu pai quer me fazer esposa de um cavalheiro.

 

PAOLINO

Só faltava essa para piorar o caso! Mas não perco a coragem. Vou logo pedir auxílio ao Conde.

 

CAROLINA

De qualquer maneira, você não deve tardar. Veja lá o Conde. Aproveite o momento, tenha coragem. Enquanto isso, vou me retirar, toda agitada. Que o amor te ajude, a oportunidade foi dada.

(Carolina se retira)

 

Cena X

 

PAOLINO

Sim, vou me armar de coragem, já que ele está sozinho!

 

CONDE

Meu amigo, estou procurando-o aflito, ansioso, há uma meia hora. Preciso muito de você.

 

PAOLINO

E eu de você.

 

CONDE

Escute-me então. Seja como quiser, por essa ou aquela razão incompreensível, seja como for, como não estou acostumado a grande falatório, não gosto da esposa, e não a quero.

 

PAOLINO

O que está dizendo?

 

CONDE

Digo absolutamente que não quero.

 

PAOLINO

E como poderia se descomprometer?

 

CONDE

É facílimo. Em vez de me casar com a mais velha, caso-me com a caçula; dos cem mil de dote, contento-me com apenas cinquenta mil; e tudo está ajustado em um momento. Daquela, daquela eu gosto, por aquela me apaixonei. Agora, em frente: vá logo, proponha ao pai, termine, conclua, e depois disponha de mim.

 

PAOLINO (para si)

Sou um infeliz!

 

CONDE

O que você tem?

 

PAOLINO

Nada, senhor.

 

CONDE

Vá, então, vá, ande logo.

 

PAOLINO (para si)

Coitado de mim, que contratempo!

 

N. 8 – Dueto

PAOLINO

Senhor, ah, permita,

não desejo desagradar-lhe,

Pense, reflita…

O desgosto dela,

a polidez, a honra,

o espanto de todos…

(para si)

Ah! Vou me confundir!

Ah! Não sei mais o que dizer!

 

CONDE

O que você está dizendo?

O que está buscando?

Pare de ficar discorrendo.

Ajude-me:

a amável caçula

me estimula, me apressa,

não posso mais resistir,

sinto-me incendiar!

 

PAOLINO

Esse fogo que te incendeia

talvez ofenda um outro!

(para si)

Ah, sinto o meu coração

murchando no peito!

 

CONDE

Esse fogo que me queima

Não depende mais de mim.

Não me caso com a mais velha

Nem se estiver para morrer.

(saem)

 

Cena XI

 

CONDE

Oh, Carolina! A sorte me é propícia, pois, longe dos outros, posso lhe falar confidencialmente…

 

CAROLINA

Ah, isso é justo o que eu também queria.

 

CONDE

Queria mesmo? Vim para me casar com Elisetta. Mas de que adianta, se só sinto antipatia por ela? E se, à primeira vista, a senhorita me conquistou?

 

CAROLINA

Eu! O que disse?

 

CONTE

O que entendeu?

 

CAROLINA

É só isso o que tinha a me dizer?

 

CONDE

Isso, sim, isso. E a senhorita, que sabe ter pena do amor, desculpando meu arrebatamento, dará ao meu amor algum conforto.

 

CAROLINA

E bem na hora em que deveria cumprir um compromisso sagrado, o senhor não vai ter fé? Desculpo quem se deixa arrebatar pelo amor, mas não quem falta para com a própria honra.

 

CONDE

A honra fica remediada ao me casar com a senhorita, no lugar dela.

 

CAROLINA

Jamais poderei concordar com isso.

 

N. 9 – Ária

CAROLINA

Perdoe, meu senhor,

se o deixo, e vou embora,

pois, de ser uma excelência,

não tenho vontade.

Tamanha honra está reservada

a quem tem um mérito singular,

a quem sabe se portar em sociedade,

com elegância e gravidade.

Eu, coitadinha, ando à vontade,

caminho de forma descuidada,

sou de baixa estatura,

não tenho desenvoltura,

não falo bem, não sei nada,

com certeza não estaria à altura

da sua nobreza.

Se alguém me fala em francês,   

quer que eu responda?

Só sei dizer Messiê.

Se alguém me fala em inglês,

é bem possível que me confunda,

só entendo A-dú-iú-dú.

Se depois vier uma alemão,

quero distância, quero distância!

Não entendo uma palavra

de bom coração, e nada mais.

(sai)

 

Cena XII

 

Recitativo – cortado

 

Cena XIII

 

N. 10 – Final I

GERONIMO

Você me diz que está descontente

com o tratamento do Conde.

É um homem muito distraído,

conheço-o, e sei bem.

 

ELISETTA

Mas não consegui nem uma olhadinha graciosa.

 

FIDALMA

Tratar pior a esposa, na verdade,

não é possível.

 

GERONIMO

Vocês acham que os fidalgos

fazem como os plebeus:

vocês acham que os esposos

fazem como os galanteadores,

não, senhoras, todas essas coisas,

essas frases, essas caretas,

eles não fazem, não senhoras.

 

PAOLINO

Meu senhor, caso queira,

ver todo o aparato,

tudo aqui foi preparado

com grande lustro e propriedade.

 

GERONIMO

Como? Como? O que disse?

 

PAOLINO (palavra a palavra, alto)

Tudo… foi… preparado…

na… sala… do… banquete…

com… grande… lustro… e… propriedade…

 

GERONIMO

Vá para o diabo, imbecil!

Acha que estou surdo?

Não padeço de surdez.

 

Juntos

 

ELISETTA, FIDALMA, PAOLINO

Vamos logo ver

a grande mesa e o serviço  

que lhe trará muita honra.

 

GERONIMO

Vamos logo ver

a grande mesa e o serviço

que me trará muita honra.

 

(saem)

 

Cena XIV

 

CAROLINA

Deixe-me, senhor, não me irrite.

 

CONDE

Só peço que me diga se seu coração está livre.

 

CAROLINA

Que não tenho amante

posso lhe assegurar.

 

CONDE

Então o meu desejo

você pode realizar.

 

CAROLINA

Deixe-me, peço-lhe, deixe-me ir!

 

CONDE

Não deixo, minha bela,

você sair desse quarto,

se um raio de esperança

não der a meu coração.

 

(Elisetta chega e fica à parte)

 

CAROLINA

Ei, volte a si mesmo!

 

CONDE

Meu bem, amo-te demais!

 

CAROLINA

Pense na minha irmã.

 

CONDE

Não sinto amor por ela.

Se me casar com você, em vez de com ela,

não estarei faltando com a palavra.

 

Cena XV

 

ELISETTA

Não, traidor indigno.

Não, alma danada!

Não, maligna desgraçada,

isso nunca ocorrerá.

Pois essa traição

que aprontaram contra mim

vou espalhar

pela casa e pela cidade.

 

CONDE

Pode vociferar, não importa.

 

CAROLINA

Escute…

 

ELISETTA

Não, vadia.

 

CAROLINA

Mas antes…

 

ELISETTA

Quero vingança!

 

Juntos

 

ELISETTA

Que traição negra!

 

CAROLINA

Não tenho culpa.

 

FIDALMA

O que é esse estrépito?

 

ELISETTA

Aquele que falta com a palavra

está namorando com essa

e eu os peguei aqui!

 

FIDALMA

Uh! Uh! Que grave!

Não acredito no que estou escutando.

 

Juntos

 

ELISETTA

Vou espalhar pela casa e pela cidade.

 

FIDALMA

Quero examinar a coisa como ela é.

 

CAROLINA (a Fidalma)

Faça com que se cale,

que ela não sabe a verdade.

 

CONDE

Deixem-na vociferar, que não me importo.

 

Cena XVI

 

FIDALMA

Silêncio, silêncio

que meu irmão vem aí.

Usem prudência,

tenham cabeça.

O assunto, em si,

é muito delicado.

 

GERONIMO

Tive a impressão de ouvir

um estrépito, um barulho.

O que estão fazendo? Gritando?

Ou é por prazer?

O que aconteceu?

Todos ficaram mudos?

Tenham a bondade de dizer

que diabos acontece.

 

PAOLINO (para si)

Minha querida esposa

dos pés à cabeça

parece tremer.

Oh, pobre de mim!

 

Juntos

 

ELISETTA, CAROLINA, FIDALMA, CONDE (para si)

Que silêncio funesto!

Assim não está bem.

Há que se falar,

deve-se falar.

 

GERONIMO, PAOLINO (para si)

Que silêncio funesto!

Estou desconfiado.

Aconteceu uma cena;

devo apurar o que foi.

 

GERONIMO

Então, o que foi?

Quero saber direito!

 

CAROLINA

O fato foi causado

por certo mal-entendido.

 

(apontando para Elisetta)

 

Ela foi vítima de um equívoco

causado pelo Conde.

 

ELISETTA

Não, nada disso é verdade!

O caso é diferente.

Fale com minha tia

que também falarei depois.

 

FIDALMA

Fique sabendo, meu irmão,

que isso é uma confusão;

mas não quero dizer agora,

pois ainda não sei bem.

 

GERONIMO

Não estou entendendo nada!

 

CONDE (puxando-o de lado)

Fique sabendo, por favor,

que a esposa não me agrada,

a irmã mais nova

é muito mais bonita.

Mas depois, mas depois, com sossego,

vou lhe dizer tudo.

 

GERONIMO

Ah! Vão todos para o diabo!

Blá-blá-blá, sim, logo!

 

Juntos

 

GERONIMO

Isso é uma balbúrdia,

quem consegue entender?

 

PAOLINO

Mas que tamanho mistério,

quem consegue entender?

 

ELISETTA, CAROLINA, FIDALMA, CONDE

Não tapem os ouvidos,

não fiquem ansiosos.

De mim, de mim saberão

qual é a verdade.

 

GERONIMO

Estão me embaralhando a cabeça,

estão me partindo a cabeça.

Calem-se, ah, calem-se!

Vão embora daqui!

 

PAOLINO

Que confusão é essa

de embaralhar a cabeça!

Entendam, se puderem,

qual é a verdade.