De A Gaia Ciência de Friedrich Nietzsche. Chemnitz, 1882 d.C.
Acaso você ouviu falar daquele louco que acendeu uma lanterna nas claras horas da manhã e correu à praça do mercado gritando incessantemente, “Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!” Como muitos dos que não acreditam em Deus estavam por lá naquele momento, ele provocou muito riso. “Por que, ele se perdeu?”, disse um. “Terá sido esquecido pelo caminho como uma criança?”, disse outro. “Quem sabe está se escondendo?”, “Será que tem medo de nós?”, “Talvez tenha ido viajar?”, “Ou emigrado?” Assim eles gritavam e riam. O louco pulou no meio deles perfurando-os com seus olhos.
“Aonde foi Deus”, gritou ele. “Eu lhes direi. Nós o matamos – vocês e eu. Todos nós somos seus assassinos. Mas como o fizemos? Como fomos capazes de beber o mar? Quem nos deu a esponja para apagar todo o horizonte? O que fizemos quando desacorrentamos esta terra do seu sol? Para onde ela estará se movendo? Para longe de todos os sóis? Não estaremos afundando continuamente? Para trás, para os lados, para frente, em todas as direções? Terá restado algum ‘acima’ ou ‘abaixo’? Não estaremos vagando como que por um infinito nada? Não sentimos o sopro do espaço vazio? Já não está mais frio? Não estará a noite e mais noite vindo com toda força? Não deveríamos acender lanternas pela manhã? Acaso não ouvimos nada do barulho dos coveiros que estão enterrando Deus? Acaso não sentimos o fedor da decomposição de Deus? Deus também apodrece. Deus está morto. Deus permanece morto. E nós o matamos. Como nós, os maiores assassinos dentre os assassinos, nos confortaremos? O que era mais sagrado e mais poderoso que tudo aquilo que o mundo jamais possuiu sangrou até a morte sob as nossas facas. Quem limpará este sangue de nós? Que água será capaz de nos lavar? Que festivais de reconciliação, que jogos sagrados teremos de inventar? Não será a grandeza deste feito grande demais para nós? Acaso não devemos, nós mesmos, nos tornar deuses simplesmente para parecer dignos disto? Jamais houve um feito maior; e todo aquele que nascer depois de nós será, em razão deste feito, parte de uma história maior do que toda história até então”.
Aqui o louco se calou e olhou novamente para os seus ouvintes; e também eles estavam em silêncio olhando-o com estranheza. Finalmente, ele arremessou no chão sua lanterna, que se quebrou e se apagou. “Eu vim cedo demais”, disse ele; “meu tempo ainda não chegou. Este tremendo acontecimento ainda está em curso, ainda errante – ainda não chegou aos ouvidos do homem. O raio e o trovão requerem tempo, a luz das estrelas requer tempo, feitos requerem tempo, mesmo depois de realizados, antes que sejam vistos e ouvidos. Este feito ainda está mais distante deles que a mais distante das estrelas – e ainda assim, eles mesmos o realizaram”.
Ouviu-se depois que naquele mesmo dia o louco entrou em várias igrejas e lá cantou o seu requiem aeternam Deo. Levado para fora e chamado a prestar contas, disseram que ele replicou todas as vezes, “Que são estas Igrejas agora senão tumbas e sepulcros de Deus?”