Música e Drama, ou: Mais uma morte em Veneza

No crepúsculo, um “super-homem” italiano conversa com um beletrista sobre a Harmonia do Universo e a “obra de arte total” após carregarem o cadáver de um ídolo sobre as águas.

Do “Império do Silêncio”, Segundo Livro do romance O Fogo de Gabriele D’Annunzio. Roma, 1900 d.C.

No outono de 1882, o jovem e brilhante intelectual Stelio Èffrena (sobrenome que sugere ex frenis, do latim “sem freios”) chega a Veneza para pronunciar no Palácio Ducal um discurso solene segundo o qual a Arte (com maiúscula) nasce da sinergia entre a poesia, a música e a dança, e é o instrumento graças ao qual irrompe a epifania da Beleza como valor eterno e ideal. O artista, veículo exclusivo e singular desta Beleza, a comunica através de sua obra às massas incultas afanadas nos redemoinhos das misérias cotidianas. Junto a Stelio está a célebre e bela atriz de meia-idade Foscarina, cognominada “Perdita” que ama o herói até o sacrifício da própria personalidade. Terminada a palestra os dois se encontram no jardim onde atravessam uma noite de sexo intenso, após a qual o poeta abandona a amante desesperada. Stelio e Foscarina vivem encontros cada vez mais apaixonados e tempestuosos, ainda que ela saiba que jamais será a única no coração do grande gênio – de fato, é ela mesma que o apresenta à futura rival, a jovem diva Donatella Arvale.   

Numa tarde de  inverno do ano seguinte, Stelio e seu amigo Daniele Glàuro, um entusiasta do Belo incapaz de criá-lo, passeiam num barco, onde com grande surpresa encontram Richard Wagner acompanhado de sua esposa Cosima e do sogro Franz Liszt. Stelio admira o compositor alemão como a encarnação do gênio artístico, ainda que despreze a cultura germânica em nome da latina, e não à toa consagre sua existência à construção de um teatro apoteótico em Roma dedicado a Apolo, capaz de rivalizar com o santuário wagneriano de Bayreuth. Wagner, porém, está velho e doente – de fato, morrerá naquela noite de Fevereiro aos 69 anos num palácio seiscentista às margens do Canal Grande –, e antes que os dois companheiros cheguem a interpelá-lo sofre um choque apoplético. Stelio e Daniele o socorrem e se oferecem para transportá-lo à terra firme.

Quanto tempo durou aquele transporte terrível? Breve foi a passagem do barco à margem; mas aqueles poucos passos contaram por um longuíssimo caminho. A água trepidava contra as traves do atracadouro, o ulular do vento irrompia do Grande Canal como dos meandros de cavernas, os sinos de San Marco soavam as vésperas; mas o rumor confuso perdia toda realidade imediata e parecia infinitamente profundo e remoto como uma lamentação do Oceano.

Eles portavam sobre seus braços o peso do Herói, portavam o corpo letárgico Daquele que havia difundido a potência da sua alma oceânica pelo mundo, a carne moribunda do Revelador que havia transformado em infinito canto pela religião dos homens as essências do Universo. Com um tremor inefável de espanto e de gozo, como o homem que vê um rio precipitando-se de um penhasco, um vulcão irrompendo, um incêndio devorando uma floresta, um meteoro deslumbrante escondendo o céu estrelado, como o homem ante uma força natural que se manifesta imprevista e irresistível. Stelio Èffrena sentiu sob sua mão que segurava o busto passado pela axila – ele parou um instante para retomar o vigor que lhe fugia e olhou aquela cabeça toda branca junto ao seu peito – sentiu sob sua mão repalpitar o coração sagrado.

*

– Foste forte, Daniele: tu que não sabes quebrar um bambu! Pesava aquele corpo de velho bárbaro, parecia armado sobre uma ossatura de bronze: bem construído, robusto, adaptado para restar em pé sobre uma ponte vacilante: estrutura de homem destinado ao alto mar. Mas de onde te vinha aquela força, Daniele? Eu temia por ti. Não vacilavas! Carregamos um herói sobre nossos braços. É preciso marcar esta noite e celebrá-la. Os seus olhos se reabriram ante meus olhos; o seu coração repalpitou sob minha mão. Éramos dignos de levá-lo, Daniele, pelo nosso fervor.

– Digno tu não só de levá-lo mas de recolher, para mantê-la, algumas das mais belas promessas oferecidas pela sua arte aos homens que ainda esperam.

– Ah, se não for subjugado pela minha própria abundância e se conseguir domar esta ansiedade que me sufoca, Daniele!…

Andavam andavam os dois amigos, um ao lado do outro, ébrios e confidentes como se a sua amizade tivesse se tornado mais alta, como se tivesse sido acrescida de algum tesouro ideal; andavam andavam no vento, no rumor, pela noite comovida, incitados pelo furor do mar.

– Parece que o Adriático abateu os diques da cidade, esta noite, e que quer burlar o veto do Senado – disse Daniele Glàuro parando diante da onda que refluía na Praça e ameaçava as [galerias das] Procuradorias. – Precisamos voltar atrás.

– Não. Vamos navegando. Eis uma gôndola. Olha San Marco sobre a água!

O remador os levava à Torre do Relógio. A Praça estava inundada, tal como um lago em um claustro de pórticos, espelhando o céu que se descobria atrás da fuga de nuvens colorido pelo crepúsculo verde-amarelo. Mais viva, a Basílica de ouro, quase que se reavivando ao contato da água como uma floresta ressecada, resplendia de asas e de auréolas no estremo lume; e as cruzes das suas mitras se destacavam no fundo do espelho escuro, como a sumidade de uma outra basílica submersa.

– EN VERUS FORTIS QUI FREGIT VINCULA MORTIS [“eis um verdadeiro forte que rompeu a corrente da morte”] – leu Stelio Èffrena sob a curva de um arco, sob o mosaico da Ressurreição. – Sabes tu que em Veneza Riccardo Wagner teve os seus primeiros colóquios com a morte, no tempo do Tristão? Consumido por uma paixão desesperada, veio a Veneza para morrer em silêncio; e compôs aquele delirante segundo ato que é um hino à noite eterna. Ora o seu fado o reconduz sobre as lagunas. Parece destinado a sofrer ali seu fim, como Claudio Monteverde. Não é um desejo musical este do qual Veneza está cheia, imenso e indefinível? Todos os rumores se transformam em vozes expressivas. Escuta!

Ao sopro impetuoso do vento, a cidade de pedra e água tornou-se sonora como um órgão enorme. O silvar e o rugir converteram-se numa espécie de imploração coral, que aumentava e diminuía dum modo rítmico.

– Neste coro de gemidos, o teu ouvido não descobre o esboço duma melodia? Escuta!

Saltando da gôndola, meteram-se pelas vielas, atravessaram pequenas pontes, costearam o cais e puseram-se a caminhar ao acaso porém, apesar da rapidez da caminhada, Èffrena dirigiu-se instintivamente para uma casa distante, que, de quando em quando, como ao clarão dum relâmpago, lhe aparecia animada por uma expectação profunda.

– Escuta! Distingo um tema melódico, um tema que se perde e revive sem força para se desenvolver…

Stelio parou, com o ouvido aplicado, numa tal agudeza de atenção, que Daniele se admirou, julgando que o seu amigo se transfundia no fenômeno natural que estudava, se aniquilava pouco a pouco numa vontade mais vasta e forte, que o absorvia e o tornava semelhante a si próprio

– Ouviste?

– Não me é permitido ouvir o que tu ouves, respondeu o estéril asceta de espírito genial. Espero que me repitas a palavra que a Natureza te disse.

– E ambos tremiam no fundo do seu coração: um, muito lúcido; o outro, inconsciente.

– Já não sei, disse Stelio, já não sei… Parecia-me…

As palavras que ele recebeu numa espécie de êxtase momentâneo escapavam agora ao seu pensamento consciente. O trabalho do seu espírito recomeçava; a sua vontade ressuscitava, agitada por aflitivas aspirações.

– Ah! dar à melodia a sua simplicidade natural, a sua perfeição ingênua, a sua divina inocência; arrancá-la completamente viva da eterna origem, do próprio mistério da Natureza, da alma do Universo! Pensaste algum dia na lenda que se refere à infância de Cassandra? Uma noite, deixaram-na no templo de Apolo; e pela manhã encontraram-na estendida no mármore, enroscada pelos anéis duma serpente que lhe lambia as orelhas. Desde então, não havia vozes espalhadas no ar que não compreendesse, melodias que não conhecesse. O poder da Divinatrix não era senão um poder musical. Uma parte desta virtude apolínia entrou nos poetas que cooperavam na criação do coro trágico. Um desses poetas gabava-se de compreender as vozes de todas as aves: outro de conversar com os ventos, e ainda outro de ouvir perfeitamente a linguagem do mar. Muitas vezes sonhei que estava estendido no mármore, abraçado pelos anéis da serpente… Para que nos fosse permitido criar a arte nova, Daniele, era preciso que se renovasse esta lenda!

Falava com um entusiasmo crescente; mas, abandonando-se completamente à onda dos seus pensamentos, continuava a sentir que uma obscura parcela de si mesmo ficava em comunicação com o ar sonoro.

– Perguntaste já algum dia que música podia ser aquela espécie de ode pastoral, que o coro canta no Rei Édipo, quando Jocasta foge, cheia de horror, e o filho de Laus guarda ainda a ilusão duma última esperança? Lembras-te? “Ó Cytheron, eu tomo o Olympo por testemunha: antes de acabar outra lua…” A imagem das montanhas interrompe por alguns momentos o horror do drama; a serenidade agreste dá tréguas ao assombro humano. Lembras-te? Vê se representas a estrofe à maneira dum quadro, que compreendesse nas suas linhas uma série de movimentos corporais, uma expressiva figura de dança, que a melodia animasse com a sua vida perfeita. Ei-lo, trazido a teus olhos, o espirito da Terra, no desenho essencial das coisas; eis a aparição consoladora da grande Mãe comum sobre a desgraça de seus filhos feridos e trémulos; eis, finalmente, uma celebração do que é divino e eterno, entre os homens arrastados à demência e à morte pelo destino cego. Agora descobre como este canto me ajudou a encontrar para a minha tragédia os meios da mais alta e simples expressão…

– Tencionas, pois, restabelecer o coro em cena?

– Não; não quero ressuscitar uma forma arcaica; o que quero é inventar uma forma nova, obedecendo apenas ao meu instinto e ao gênio da minha raça, como fizeram os gregos, quando criaram esse maravilhoso padrão de beleza, para sempre inimitável, que é o seu drama. Visto que de há muito, as três artes práticas, música, poesia e dança se separam, seguindo as duas primeiras o seu desenvolvimento para um poder superior de expressão, enquanto a terceira decaiu, julgo que não é possível reuni-las numa só estrutura rítmica sem tirar a qualquer delas o caráter próprio e dominante que viessem a adquirir. Concorrendo para um efeito comum e total, renunciam ao seu efeito particular e supremo: numa palavra, aparecem diminuídas. Entre as matérias aptas a receber o ritmo, a Palavra é o fundamento de qualquer obra de arte que aspire á perfeição. Julgas que no drama wagneriano se reconheceu à Palavra todo o seu valor próprio? Não te parece que o conceito musical perde, a sua pureza primitiva, pelo motivo de depender às vezes de representações estranhas ao gênio da Música? Com certeza, Wagner tem conhecimento desta falta, demonstrou-o tacitamente, quando, em Bayreuth, se aproximou dum seu amigo e lhe tapou os olhos com as mãos, para que se abandonasse completamente ao encanto da sinfonia pura, e fosse arrebatado numa visão mais profunda por uma alegria mais elevada.

– Quase tudo o que me dizes é novo para mim, disse Daniele Glàuro; mas provoca-me uma satisfação comparável à que se experimenta quando se aprendem coisas previstas e preconcebidas. Ora, não confundindo as três artes rítmicas, vais apresentar cada uma nas suas manifestações próprias ligadas todas entre si por uma ideia soberana e levadas ao supremo grau da sua energia significativa?

– Ah! Daniele, como hei-de eu dar-te uma imagem da obra que vive em mim? exclamou Stelio. Toscas e duras são as palavras com que tentas formular a minha intenção… Não, não… Como transmitir-te a vida e o mistério infinitamente fluído que trago comigo?

Chegaram à escadaria de Rialto. Èffrena subiu rapidamente os degraus e parou, encostado à balaustrada, ao cimo do arco, à espera do seu amigo. O vento passava por ele como um exército de estandartes, cujas dobras lhe açoitassem, o rosto, o Canal perdia-se a seus pés, na sombra dos palácios, volteando, como um rio que se precipita em cataratas sussurrantes; no zenit, uma facha do céu continuava livre no encastelado das nuvens, cristalina e viva como a serenidade que envolve os cumes das geleiras.

– E impossível permanecer aqui, disse Daniele, dirigindo-se para a porta dum estabelecimento. O vento arrasta-nos.

– Desce; eu vou já. Só um minuto! exclamou o mestre, debruçado na balaustrada e tapando os olhos com as mãos, concentrando toda a sua alma, a escutar.

Era formidável a voz da tempestade, em meio daquela imobilidade petrificada dos séculos: a única a dominar a solidão, como no tempo em que os mármores dormiam ainda no coração das montanhas e as ervas selvagens cresciam em volta dos ninhos, nas ilhas pantanosas das lagunas; muito antes que o Doge se mudasse para o Rialto e os patriarcas guiassem. Os fugitivos para os grandes destinos. Desaparecera a vida humana, e, sob o céu nada mais ficou que um sepulcro imenso, em cujos recessos ecoava aquela voz, aquela única voz. Multidões tornadas pó, grandezas abatidas, faustos efémeros, inúmeros dias de nascimento e morte, coisas doutra idade, sem forma e sem nome, tudo memorava no seu canto sem lira, na sua elegia sem esperança. Toda a melancolia do mundo passava com o vento sobre esta alma tensa e ávida.

– Ah! achei! exclamou Stelio com uma alegria de triunfo.

A linha inteira da melodia revelara-se e pertencia-lhe agora, imortal no seu espirito e no mundo. De todas as coisas vivas nenhuma lhe pareceu mais viva do que aquela. A sua própria vida cedia ao poder ilimitado dessa ideia sonora, a força geradora desse germen capaz de infinitos desenvolvimentos. Julgou-a mergulhada no mar sinfônico, onde ela tomava mil aspectos até á perfeição. Daniele, Daniele, achei ! Levantou os olhos, e, ao ver no céu diamantino as primeiras estrelas, teve a percepção do alto silencio em que palpitavam. Imagens de céus fechados sobre países longínquos atravessaram o seu espirito; era o revolver das areias, das árvores, das águas, do pó, em dias de vento: o Deserto líbico, as oliveiras no golfo de Salona, o Nilo em Memphis, a Argolida adusta. E depois outras imagens. Tentou fechar o cérebro, do mesmo modo que se fecha a mão sobre a coisa retida. Junto duma pilastra, notou a sombra dum homem, um clarão na extremidade duma vara e logo o sopro da chama acesa numa lanterna. A esta luz, com uma pressa ansiosa, escreveu o tema numa página da sua carteira e em cinco linhas fixou a palavra do elemento.

– Dia de maravilhas! disse Daniele Glàuro ao vê-lo descer, ágil e ligeiro, como se tivesse tirado ao ar a sua elasticidade. Que a Natureza te adore sempre, irmão!

– Vamos, vamos disse Stelio, pegando-lhe no braço e arrastando-o com um contentamento infantil. Preciso de correr.

E arrastava-o pelas ruas estreitas para San-Giovanni-Elemosinario; e ia dizendo para si o nome das três igrejas que devia encontrar no caminho antes de chegar a essa casa distante, que, de quando em quando, como ao clarão dum relâmpago, lhe aparecia animada por uma expectação profunda.

– É verdade, Daniele, o que me disseste um dia; a voz das coisas é essencialmente diferente do seu som, disse ele, parando á entrada da Ruga-Vecchia, junto do campanário, porque notara que o seu amigo ia cansado. O som do vento ora imita os gemidos duma multidão ferida de medo, ora os uivos das feras, ora o cachoar das cataratas, ora o agitar das bandeiras desfraldadas, ora o repto, a ameaça, o desespero. A voz do vento é a síntese de todos os ruídos: é a voz que canta e narra o horrível trabalho do tempo, a crueldade da sorte humana, a guerra eternamente sustentada por uma ilusão eternamente renovada,

– E julgas tu que a essência da música está nos sons? perguntou o doutor místico. Ela está no silêncio que as precede e no silêncio que se lhes segue. E nestes intervalos do silêncio que aparece e vive o ritmo. Cada som, cada nota desperta no silêncio que os precede e segue uma voz que só o nosso espírito pode ouvir. O ritmo é o coro da música; mas as suas pancadas só se distinguem durante a pausa dos sons.

Esta lei de natureza metafísica, enunciada pelo contemplador, confirmou em Stelio o rigor da sua própria intuição.

– Na verdade, diz ele, imagina o intervalo entre duas sinfonias cênicas em que todos os motivos concorram para exprimir a essência íntima dos caracteres que o drama revela, é denunciar o interior da ação, como, por exemplo, no grande prelúdio beethoveniano de Eleonora ou no de Coriolano. Este silêncio musical, em que palpita o ritmo, é a atmosfera viva e misteriosa em que somente podem aparecer as palavras da poesia pura. Parece que aí as personagens surgem do mar sinfônico, como da própria verdade oculta que opera nelas. E, neste silêncio rítmico, a sua linguagem toldada terá uma ressonância extraordinária atingirá o extremo limite do poder verbal; porque será vivificado por uma contínua aspiração ao canto, que só pode parar na melodia que sobe da orquestra, no fim do episódio trágico. Entendeste?

– Desse modo colocas o episódio entre duas sinfonias que o principiam e acabam, porque a música é o principio e o fim do verbo humano.

– Aproximo assim do espectador as personagens do drama. Conheces a figura que Schiller pôs na ode em honra da tradução que Goethe fez do Mahomet, para significar que, na cena o mundo ideal é o único que pôde ter vida? O Carro de Thespis, como a Barca de Acheronte, é tão frágil, que só pôde conduzir as sombras ou imagens humanas. Na cena vulgar estas imagens estão de tal modo afastadas, que qualquer contato com elas nos parece impossível como o contato com as formas mentais. São afastadas e estranhas. Porém, ao fazê-las aparecer no silêncio rítmico, acompanhando-as pela música até ao limiar do mundo visível, aproximo-as maravilhosamente, porque esclareço os recônditos mais secretos da vontade que as produz. Entendes. A sua essência íntima está ali, nua e posta em relação direta com a alma da multidão, que, sob as ideias significadas pela voz e pelos gestos, sente a profundeza dos motivos musicais que lhes correspondem nas sinfônias. Numa palavra, eu apresento as imagens gravadas no véu e também o que se passa para além do véu. E por meio da música, da dança e do canto, criei em volta do meu herói uma atmosfera ideal, onde vibra toda a vida da Natureza, não obstante parecer que convergem para cada um dos seus atos, não só os poderes dos seus destinos prefixos, mas também as mais obscuras vontades das coisas circundantes, das almas elementares que vivem no grande círculo trágico. Porque, do mesmo modo que as personagens de Ésquilo trazem em si alguma coisa dos mitos naturais donde nasceram, eu queria também que sentisse as minhas criaturas palpitar na torrente das forças selvagens, sofrer ao contato da terra, comunicar com o ar, com a água, com o fogo, com as montanhas, com as nuvens, na luta patética contra o Destino, que deve ser vencido; e que a Natureza fosse para eles o que foi para nossos primeiros pais: a atriz apaixonada dum eterno drama.

Tradução atualizada e acrescida da série Biblioteca Universal.