Minha breve história do seu mundo, ou: Quatro universos em um

Da “História Mundial”, capítulo final dos Elementos da Filosofia do Direito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Berlim, 1821 d.C.

 

1. A História Universal da Humanidade como Estória do Espírito Absoluto

O elemento da existência do Espírito universal que na arte é intuição e imagem, na religião sentimento e representação, na filosofia pensamento puro e livre, é na história mundial a Concretização espiritual em toda a amplidão de sua interioridade e exterioridade.

A história do Espírito é seu ato, pois ele é somente aquilo que ele fez, e seu ato é se fazer na história, enquanto Espirito, objeto de consciência – é se compreender enquanto vai se explicitando por si mesmo. Esta compreensão é seu ser e seu princípio; e sua realização é ao mesmo tempo sua alienação e sua transição. O Espírito que, em termos formais, compreende novamente esta compreensão ou, o que dá no mesmo, retorna a si mesmo da alienação, é o espírito de grau superior ante aquele que ele era na compreensão anterior.

O problema da perfectibilidade e da educação da espécie humana se põe aqui. Aqueles que afirmaram esta perfectibilidade pressentiram alguma coisa da natureza do Espírito, de sua natureza que tem como lei de seu ser o gnothi seauton [conhece-te a ti mesmo]; eles pressentiram este fato de que quando ele se concebe como ele é, ele é por isso mesmo uma forma superior àquela que constituía seu ser. Mas para aqueles que rejeitaram esta ideia, o Espírito permaneceu uma palavra vazia, e a história, um jogo superficial de aspirações e de paixões acidentais – como dizem simplesmente humanas (…).

Os Estados, povos e indivíduos, neste movimento do Espírito mundial, aparecem em seu princípio particular determinado que se atualiza e se desdobra em sua constituição e em toda a extensão de sua condição; eles são conscientes disso, estando mergulhados naquilo que é o interesse deste princípio; e eles são ao mesmo tempo seus instrumentos inconscientes e os membros desse movimento interno através do qual suas formas passam; mas o Espírito em si e por si prepara aí e elabora sua passagem a um estado seguinte superior.

A justiça e a virtude, a injustiça, a violência e o vício, os homens de talento e suas ações, as pequenas e as grandes paixões, a culpabilidade e a inocência, a magnificência da vida individual e nacional, a independência, o bem-estar e o mal-estar dos Estados e dos indivíduos, têm na esfera da atualidade consciente seu sentido e seu valor determinados; eles são julgados e submetidos a uma justiça de resto imperfeita. A história mundial está além deste ponto de vista; nela o momento necessário da Ideia do Espírito mundial, que é num momento dado seu estágio, obtém seu direito absoluto; o povo que o vive e as ações deste povo obtém sua realização e sua glória.

Um povo é dominante na história mundial em cada uma de suas épocas – e cada povo não pode fazer época senão uma única vez. Ante seu direito absoluto, que vem do fato de que ele é o representante do grau contemporâneo do Espírito mundial, os espíritos dos outros povos são sem direito, e como aqueles cuja época já passou, eles não contam mais na história.

A história particular de um povo importante compreende, de um lado, o desenvolvimento de seu princípio desde seu estado de infância compactada até a sua expansão, na qual ele atinge sua livre consciência moral, e penetra na história universal – e, de outro lado, o período do declínio e da decomposição; pois é assim que se assinala nele o nascimento de um princípio superior enquanto negação de seu próprio princípio. Com isso entendo a passagem do Espírito a um novo princípio; a história mundial é transmitida a um outro povo – período no qual o primeiro povo perdeu o interesse absoluto; ainda que ele assimile positivamente o princípio superior e se conforme a ele, ele se comporta passivamente, sem vitalidade e frescor imanentes. Por vezes ele perde sua independência; por vezes, enquanto Estado particular ou grupo de Estados, ele pode continuar e se arrastar e se debater ao acaso entre múltiplas tentativas interiores e lutas exteriores (…).

À frente de todas as ações, portanto também das ações históricas, se encontram indivíduos, enquanto subjetividades que realizam o substancial… Enquanto eles são vidas da ação substancial do espírito mundial, e através disso imediatamente idênticas a esta ação, ela é dissimulada por estes indivíduos; ela não é seu objeto e seu fim.

Um povo antes de mais nada não é um Estado. A passagem de uma família, horda, tribo, multidão etc., à condição política constitui a realização formal da Ideia. Sob esta forma o povo enquanto substância ética que ele é em si é privado de objetividade… e por isso não é reconhecido. Sua independência não é soberania.

Em razão disso o que acontece é que as nações civilizadas consideram e tratam as outras nações que lhe são inferiores no momento substancial do Estado… como bárbaros, com a consciência de um direito desigual, e sua independência como algo formal.

 

2. As quatro etapas da narrativa mundial

Os princípios de formação da consciência de si (do Espírito Mundial) no processo de sua liberação, os Impérios históricos, são quatro.

Na primeira revelação, enquanto imediata, ele tem como princípio a forma do Espírito substancial enquanto identidade, na qual um indivíduo é imerso em sua essência, e resta nela sem direito para si mesmo.

O segundo princípio é o saber deste espírito substancial, de tal sorte que ele é o conteúdo positivo, a realização e o ser por si enquanto sua forma viva – a bela individualidade ética.

O terceiro é o aprofundamento em si do ser por si cognoscente, que atinge a universalidade abstrata, e através disso se torna oposição infinita contra a objetividade assim privada de Espírito.

O princípio da quarta formação é a reversão desta oposição do espírito, a fim de receber em sua interioridade sua verdade e sua essência concreta, e de ser familiar e concentrado na objetividade; uma vez que este espírito retornando à primeira substancialidade é o espírito que retornou da oposição infinita, ele produz e conhece sua verdade enquanto pensamento e mundo atual submetido a leis.

Conforme estes quatro princípios há quatro mundos ou reinos (Reiche) históricos: 1o o Oriental; 2o o Grego; 3o o Romano; e 4o o Germânico.

 

3. O mundo oriental 

Este primeiro império é a concepção do mundo indiviso em si, substancial, que parte da totalidade natural patriarcal, e no qual o governo temporal é teocrático; o chefe é ao mesmo tempo grande sacerdote ou deus; a constituição política e a legislação aí são ao mesmo tempo religião, e os mandamentos ou antes usos religiosos e morais são ao mesmo tempo leis jurídicas e estatais. No esplendor desta totalidade, a personalidade individual está submersa sem direitos, a natureza exterior é imediatamente divina ou ornamento divino – e a história real é poesia. As diferenças que se desenvolvem em sentidos diversos nos costumes, no governo, no Estado se tornam, na ausência de leis e sob o reino dos simples costumes, cerimônias pesadas, minuciosas, supersticiosas – contingências da violência pessoal e da dominação arbitrária; a organização em classes se solidifica em castas naturais. O Estado oriental não vive senão neste movimento, que – dado que nada nele é contínuo e que aquilo que é sólido é petrificado – vai para fora e se torna violência e devastação elementar. A tranquilidade interior é uma vida privada e uma queda na fraqueza e na lassidão.

 

4. O mundo grego

Neste mundo nós encontramos a unidade substancial do finito e do infinito, mas somente em um fundamento misterioso rumo a uma interiorização recluída nas cavernas e nas figuras e tradições; este fundamento saído do espírito diferenciando-se rumo à espiritualidade individual e chegando ao mundo do saber, é medido e iluminado em beleza e em ética gozosa e livre. Nesta determinação o princípio da individualidade pessoal se ergue por si, não ainda fechado em si mesmo, mas guardado em sua unidade ideal; é por isso que o todo se decompõe em um grupo de espíritos nacionais particulares; de uma parte, a última decisão voluntária não é ainda posta na subjetividade da consciência de si que é por si, mas numa potência mais alta e fora dela (…). De outra parte, a particularidade que pertence à necessidade não foi ainda admitida na liberdade, mas é situada fora numa classe de escravos.

 

5. O mundo romano

Neste mundo a diferenciação se realiza e se torna laceração infinita da vida ética, em dois extremos: a consciência de si privada e pessoal, e a universalidade abstrata. A contradição partida duma intuição substancial de uma aristocracia contra o princípio da personalidade livre numa forma democrática e em afirmação de uma violência fria e ávida, – e do lado democrático, em corrupção plebeia; a dissolução do todo se encerra na infelicidade geral e na morte da vida ética, onde as individualidades nacionais morrem na unidade dum panteão – onde todos os indivíduos caem ao nível de pessoas privadas e de iguais com os direitos formais; por aí esta unidade não mantém senão um arbitrário abstrato que se exagera até o monstruoso.

 

6. O mundo germânico

Desta perda de si mesmo e de sua mônada, e de sua dor infinita, pela qual o povo israelita foi preparado como seu povo, o espírito repisado em si mesmo atinge – na extremidade de sua negatividade absoluta, no retorno a si e por si – a positividade infinita de sua interioridade, o princípio de unidade da natureza divina e humana, a reconciliação da verdade objetiva e da liberdade, surgida no interior da consciência de si e da subjetividade – verdade e liberdade que são designadas para sua realização ao princípio nórdico dos povos germânicos.

A interioridade do princípio enquanto ela é ainda abstrata, existente no sentimento como fé, amor, esperança – como reconciliação e solução de toda oposição, desdobra seu conteúdo para elevá-lo à atualidade e à racionalidade conscientes, a um mundo temporal que tem suas raízes no sentimento, na lealdade e na camaradagem dos homens livres, o mundo que, na sua subjetividade é também arbitrário, brutal, marcado pela barbárie dos costumes e é oposto a um mundo do além, a um mundo intelectual cujo conteúdo é precisamente esta verdade de seu espírito, mas como ainda não pensado e desenvolvido na barbárie da representação (…). E enquanto potência espiritual sobre o sentimento atual, ele se comporta com ele como uma potência livre e terrível.

No curso da dura luta destes dois mundos na diferença que chega aqui à oposição absoluta (e que ao mesmo tempo tem sua raiz em uma unidade e uma Ideia) o elemento espiritual degrada a existência de seu céu até a nossa contingência terrestre, até a baixa temporalidade na atualidade e na representação; por outro lado, o temporal eleva seu ser por si abstrato até o pensamento e até o princípio do ser e do saber racionais, até a racionalidade do direito e da lei. Então a oposição se esvanece em si até se tornar uma figura sem força; o presente se despojou de sua barbárie e de seu arbitrário ilegal, e da verdade de seu mundo do além e de sua violência contingente; tão bem que a reconciliação verdadeira se tornou objetiva. Ela despoja o Estado como imagem e concretização da razão, onde a consciência de si encontra a concretização de seu saber e querer substanciais organicamente desenvolvidos; do mesmo jeito ela encontra na religião o sentimento e a representação de sua verdade enquanto entidade ideal – e na ciência filosófica o conhecimento livremente captado desta verdade, enquanto una e mesma em suas manifestações que se completam umas às outras: o Estado, a natureza, o mundo das ideias.