Extratos da Areopagitica, de John Milton. Londres, 1644 d.C.
Em 1643, no auge da Guerra Civil inglesa, o Parlamento, então dominado pelos calvinistas presbiterianos, promulga a Ordenança para Regulação da Imprensa, determinando que todo autor deveria ser previamente aprovado pelo governo antes de que sua obra pudesse ser publicada. Contra essa medida, Milton escreve seu panfleto endereçado ao Parlamento, sob o nome de Areopagitica, em referência ao discurso de Isócrates, no século Vo antes de Cristo, que esperava restaurar o poder e a credibilidade do Areópago, o mais tradicional concílio judiciário ateniense. Como diz George H. Sabine, o princípio básico desta carta aberta é “o direito e também o dever de todo homem inteligente enquanto ser racional, de conhecer os fundamentos e assumir a responsabilidade por suas crenças e ações. Seu corolário era uma sociedade e um Estado onde as decisões são atingidas pela discussão aberta, onde as fontes de informação não são contaminadas pela autoridade no interesse do partido, e onde a unidade política é assegurada não pela força mas por um consenso que respeita a variedade de opiniões.”
I. Da censura na Antiguidade e na Idade Média
Em Atenas, onde livros e cabeças estavam sempre mais ocupados do que em qualquer outra parte da Grécia, eu encontro somente dois tipos de escritos que os magistrados se preocupavam em notar; aqueles blasfemos ou ateístas, e os caluniosos. Assim os livros de Protágoras foram por ordem dos juízes do Areópago mandados ao fogo, e ele mesmo foi banido do território por um discurso iniciado com a sua confissão de não saber SE HAVIA DEUSES, OU NÃO. E contra a difamação, foi decretado que ninguém deveria ser injuriado pelo nome, como era o modo do Vetus Comoedia, por onde podemos entender como eles censuravam a calúnia. E este processo era bastante rápido, como Cícero escreve, para reprimir tanto os humores desesperados de outros ateístas, quanto a via aberta da difamação. De outras seitas e opiniões, ainda que tendendo à voluptuosidade, e negando a divina Providência, eles não se ocupavam.
Portanto não lemos nem que Epicuro, nem que aquela escola libertina de Cirene, nem que as coisas que a impudência Cínica proclamava, foram alguma vez questionados pelas leis. Nem há registro de que os escritos daqueles velhos comediantes tenham sido suprimidos, embora a encenação pudesse ser proibida; e que Platão recomendou a leitura de Aristófanes, o mais licencioso deles todos, ao seu discípulo real Dionísio, é comumente sabido, e pode ser escusado, se o santo Crisóstomo, como está escrito, estudou tantas vezes à noite o mesmo autor e tinha a arte de purificar sua grosseira veemência no estilo de um sermão tonificante.
Que outra cidade de primeira ordem na Grécia, a Lacedemônia, considerava que Licurgo o seu legislador era tão adicto à erudição elegante, a ponto de ter sido o primeiro a trazer da Iônia obras esparsas de Homero, e de ter mandado o poeta Tales de Creta para preparar e apaziguar a pertinácia espartana com músicas e odes macias, as melhores para se plantar entre eles a lei e a civilidade, é algo a ser admirado dado o quão carentes das musas e dos livros eles eram, sem se preocupar com nada mais que os feitos de guerra. Não havia necessidade de nenhuma censura de livros entre eles, pois eles desgostavam de todos salvo seus próprios aforismos lacônicos, e numa ocasião chegaram a enxotar Arquilocus de sua cidade, talvez por compor numa tensão maior do que as suas próprias baladas soldadescas e rondós eram capazes de alcançar. Ou se foi por seus amplos versos, eles não eram tão prudentes mas eram tão dissolutos quanto sua conversação promíscua; não à toa Eurípedes afirma em Andrômaca que suas mulheres eram todas despudoradas. Tudo isso pode nos dar alguma luz quanto a que tipo de livros eram proibidos entre os gregos.
Os romanos também, por muito tempo treinados somente numa rudeza militar, assemelhando-se muito ao aspecto lacedemônio, sabendo pouco de erudição salvo suas Doze Tábuas, e o Colégio Pontifício com seus áugures e flâmines ensinando-os na religião e na lei; tão pouco familiares a outras formas de erudição, que quando Carneades e Critolaus, com o estoico Diógenes, chegando como embaixadores em Roma, tomaram a ocasião para dar a cidade um gosto de sua filosofia, eles foram acusados de aliciadores por ninguém menos do que Catão o Censor, que peticionou ao Senado que os dispensasse rapidamente, e banisse todos os tagarelas áticos da Itália. Mas Cipião, e outros dos nobres senadores resistiram a ele e à sua velha austeridade sabina; honraram e admiraram aqueles homens; e o próprio censor no fim, já idoso, se inclinou ao estudo daquilo ante o qual outrora fora tão escrupuloso. E ainda assim ao mesmo tempo Nevio e Plauto, os primeiros comediantes latinos, preencheram a cidade com todas as cenas emprestadas a Menandro e Filemon. Então começaram a considerar também por lá o que deveria ser feito aos livros e autores caluniosos; pois Nevio foi rapidamente metido na prisão por sua pena desenfreada, e libertado pelos tribunos após sua retratação; lemos também que libelos eram queimados, e seus autores punidos por Augusto. A mesma severidade, sem dúvida, era usada, se qualquer coisa era impiamente escrita contra seus estimados deuses. Exceto nesses dois pontos, para onde o mundo ia nos livros, o magistrado não dava a menor atenção.
E assim Lucrécio sem impedimento versifica seu epicurismo a Memmius, e teve a honra de ser explicado uma segunda vez por Cícero, aquele tão grande pai da República; embora ele mesmo dispute contra a opinião em seus próprios escritos. Nem foi a perspicácia satírica ou a crua simplicidade de Lucílio, ou Catulo ou Flaco, proibida por qualquer ordem. E em questões de Estado, a história de Tito Lívio, embora tenha enaltecido o papel de Pompeu, não foi por isso suprimida por Otavius César, da outra facção. Se aquele Naso foi por ele banido na velhice pelos poemas lascivos da sua juventude, isso foi só um pretexto para justificar alguma causa secreta de estado: e de resto, os livros não foram nem banidos nem apreendidos. Daí em diante encontraremos com pouca coisa além da tirania no império romano, coisa que não deve nos maravilhar, se com muita frequência os maus livros não eram tão silenciados quanto os bons. Eu portanto considero ter dito o bastante, ao expor que tipo de escritos eram puníveis entre os antigos; com exceção dos quais, todos os outros argumentos podiam ser tratados livremente.
Por esta época os imperadores haviam se tornado cristãos, cuja disciplina neste ponto eu não vejo que tenha sido mais severa do que aquela que era praticada antes. Os livros daqueles que eles consideravam como grandes heréticos eram examinados, refutados, e condenados nos Concílios gerais; e antes disso não eram proibidos, ou queimados, pela autoridade do imperador. Quanto aos escritos dos autores pagãos, a menos que fossem francas invectivas contra o Cristianismo, como aquelas de Porfírio e Proclo, eles não enfrentaram qualquer interdição que possa ser citada, até por volta do ano 400, em um Concílio cartaginense, onde os próprios bispos foram proibidos de ler livros de gentios, mas as heresias eles deviam ler: enquanto outros muito antes deles, ao contrário, tinham mais escrúpulos para com os livros dos heréticos do que com os dos gentios. E que os Concílios primitivos e bispos costumavam somente declarar quais livros não eram recomendáveis, não indo além disso, mas deixando à consciência de cada um ler ou largar, até por volta do ano 800, foi já observado pelo Padre Paolo, o grande desmascarador do Concílio de Trento.
Após o que os Papas de Roma, absorvendo o quanto lhes aprouve do poder político em suas próprias mãos, estenderam seu domínio sobre os olhos humanos, como haviam feito antes sobre seus juízos, queimando e proibindo a leitura do que não lhes agradava; ainda assim poupando em suas censuras, e não sendo muitos os livros com os quais eles lidaram desta forma: até que Martim Vo, com sua bula, não só proibiu, mas foi o primeiro que excomungou a leitura de livros heréticos; por aquele tempo Wickliffe e Huss, cada vez mais terríveis, foram aqueles que primeiro levaram a Corte Papal a uma política mais estrita de proibição. Um curso que Leão Xo e seus sucessores seguiram, até o Concílio de Trento e a Inquisição Espanhola, mancomunados, trouxessem, ou aperfeiçoassem, aqueles Catálogos e Indexes expurgadores, que remexeram dentre as entranhas de muitos bons autores antigos, com uma violação pior do que qualquer uma que poderia ser oferecida à sua tumba. E tampouco eles se detiveram em assuntos heréticos, mas qualquer assunto que não fosse do seu paladar eles ou condenavam à Censura, ou o enviavam diretamente a um novo purgatório de um Index.
II. Por que os livros devem ser livres
Há uma visão registrada por Eusébio (…): Dionísio Alexandrino era por volta do ano 240 uma pessoa de grande nome na Igreja por sua piedade e erudição, que mostrou muito valor contra os hereges por ser conversador nos seus livros; até que um certo presbítero sulcou escrupulosamente em sua consciência, indagando como ele podia se aventurar entre aqueles volumes venais. O digno homem, detestando ofender, caiu num novo debate consigo mesmo sobre o que deveria pensar a respeito; quando subitamente uma visão enviada por Deus (é sua própria epístola que o assevera) o confirmou nestas palavras: LEIA TANTOS LIVROS QUANTOS CAIREM EM SUAS MÃOS, POIS TU ÉS SUFICIENTE TANTO PARA JULGAR CORRETAMENTE QUANTO PARA EXAMINAR CADA QUESTÃO. A esta revelação ele logo assentiu, como confessa, porque correspondia àquela do Apóstolo aos tessalonicenses, PROVAI TODAS AS COISAS, E FICAI COM O QUE É BOM. E ele poderia ter acrescentado outro dito notável do mesmo autor: AOS PUROS, TODAS AS COISAS SÃO PURAS; não somente carnes e bebidas, mas todo tipo de conhecimento seja do bem ou do mal; o conhecimento não pode corromper, nem consequentemente os livros, se a vontade e a consciência não estiverem corrompidas.
Pois livros são como carnes e viandas; algumas de boas, outras de más substâncias; e ainda assim Deus, naquela visão apócrifa, disse sem exceção, LEVANTA, PEDRO, MATA E COME, deixando a escolha à discrição de cada homem. Carnes sadias para um estômago viciado diferem pouco ou nada das insalubres; e os melhores livros para uma mente perversa não são inaplicáveis a ocasiões do mau. Más carnes dificilmente darão bom alimento na mais saudável mistura; mas aqui há uma diferença em relação aos maus livros, pois estes para um discreto e judicioso leitor servem em muitos sentidos para descobrir, confutar, admoestar, e ilustrar. E disso que melhor testemunho podeis esperar que eu produza, do que aquele de vós próprios ora sentado no Parlamento, o chefe dos eruditos reputados nesta terra, Mr. Selden; cujo volume de leis naturais e nacionais prova, não somente por grandes autoridades reunidas, mas por finas razões e teoremas quase matematicamente demonstrativos, que todas as opiniões, erros até, conhecidos, lidos e coligidos, são de grande serviço e assistência rumo à rápida compreensão do que é mais verdadeiro. Parece-me, portanto, que quando Deus alargou a dieta universal do corpo do homem, resguardando sempre as regras da temperança, ele também, como antes, deixou ao nosso arbítrio a dieta e o repasto de nossas mentes; já que através delas todo homem maduro deverá exercitar sua própria capacidade principal.
Que grande virtude é a temperança, quantos momentos ao longo de toda a vida do homem! Ainda assim Deus concede ao administrador uma confiança enorme, sem qualquer lei ou prescrição particular, totalmente entregue à conduta de cada homem adulto. E assim quando ele mesmo interpelou os Judeus do céu, aquela porção de maná diária de cada homem é computada como tendo sido maior do que teria bastado aos mais ávidos para três refeições. Pois aquelas ações que entram num homem, ao contrário das que saem dele, não podem por isso mesmo os corromper. Deus não costuma cativar o homem sob uma perpétua infância de prescrição, mas confia a ele o dom da razão para que seja ele a escolher; teria restado muito pouco trabalho para a pregação, se a lei e a coerção crescessem tão rápido sobre aquelas coisas que até então eram governadas somente pela exortação. Salomão nos informa, que muita leitura exaure a carne; mas nem ele nem qualquer outro autor inspirado nos diz que tal ou qual leitura é ilegítima: ainda assim, certamente se Deus tivesse pensado ser coisa boa nos limitar aqui, teria sido muito mais eficiente dizendo-nos o que era ilegal, depois o que era exauriente. Quanto à queima daqueles livros efésios pelos conversos de São Paulo; respondeu-se que aqueles livros eram mágicos, assim os sírios os consideravam. Foi um ato privado, um ato voluntário, e nos deixa uma imitação voluntária: os homens com remorso queimaram aqueles livros que eram os seus próprios; o magistrado neste exemplo não é apontado; estes homens praticavam estes livros, outros talvez os tivessem lido de algum modo útil.
Sabemos que o bem e o mal no campo desse mundo crescem juntos quase inseparavelmente; e o conhecimento do bem está tão envolvido e entretecido com o conhecimento do mal, e em tantas ardilosas semelhanças quase não podem ser distinguidos, que aquelas sementes misturadas que foram impostas a Psique como um incessante labor de distingui-las e separá-las, não estavam mais mescladas. Foi da casca de uma maça provada, que o conhecimento do bem e do mal, como dois gêmeos agarrados, caíram no mundo. E talvez seja essa aquela maldição na qual Adão caiu ao conhecer o bem e o mal, quer dizer a do conhecimento do bem e do mal. Tal como é o estado do homem agora; que sabedoria pode haver para eleger, que continência para suportar sem o conhecimento do bem e do mal? Aquele que é capaz de compreender e considerar o vício com todas as suas iscas e prazeres ilusórios, e ainda assim se abster, e ainda assim distinguir, e ainda assim preferir aquilo que é verdadeiramente melhor, ele é o verdadeiro combatente cristão.
Não posso louvar uma virtude fugitiva e enclausurada, não exercitada e não respirada, que nunca confronta e enfrenta seu adversário mas foge da disputa cujo prêmio é aquela guirlanda imortal, a ser ganho não sem pó e ardor. Com toda certeza nós não trazemos inocência para o mundo, trazemos muito mais impureza; aquilo que nos purifica é a prova, e a prova é feita contra aquilo que é contrário. A virtude portanto que não é mais que uma moçoila na contemplação do mal, que não conhece os extremos que o vício promete aos seus seguidores, e que não os rejeita, é só uma virtude em branco, não uma virtude pura; seu testemunho é só um testemunho excremental. Esta foi a razão pela qual nosso sábio e sério poeta Spenser, a quem eu ouso dizer que penso ser um professor melhor do que Scotus e Aquino, descrevendo a verdadeira temperança sob a pessoa de Guion, a traz com sua isca em meio à caverna de Mammon, e à morada do júbilo terreno, para que pudesse ver, e ainda assim se abster. Uma vez portanto que o conhecimento e a investigação do vício são nesse mundo necessários para a constituição da virtude humana, e o mapeamento do erro para a confirmação da verdade, como podemos ser mais seguramente, e com menos perigo, guiados pelas regiões do pecado e da falsidade do que lendo todo tipo de tratados e ouvindo todo tipo de razões? E este é o benefício que pode ser extraído de livros lidos promiscuamente.
III. Contra a censura
Quem não sabe que a Verdade é forte, próxima ao Todo Poderoso? Ela não precisa de políticas, nem estratagemas, nem permissões para se fazer vitoriosa; estes são os vieses e defesas que o erro usa contra o seu poder. Dê a ela um pouco de espaço, e não a prenda enquanto ela dorme, pois então o que ela diz não será verdadeiro, como fazia o velho Prometeu, que pronunciava oráculos somente quando era capturado e amarrado, mas ela se transformará antes em todas as formas, exceto na sua própria, e talvez module a sua voz de acordo com o tempo, como Miqueias fez ante Ahab, até ela ser intimada à tomar sua própria forma. Ainda assim não é impossível que ela tenha mais formas do que uma. O que mais é todo aquele rol de coisas indiferentes, onde a Verdade pode estar deste lado ou do outro, sem ser diferente de si mesma? O que senão uma sombra vã é a abolição daquelas normas, aquele manuscrito pregado na cruz? Que grande aquisição é esta liberdade cristã que Paulo tanto alardeava? Sua doutrina é que aquele que come ou não come, cuida do dia ou não cuida, fará ambas as coisas ao Senhor. Quantas outras coisas poderiam ser toleradas em paz, e deixadas à consciência, se tivéssemos caridade, e se não fosse o reduto da nossa hipocrisia estar sempre julgando um ao outro?
Eu temo que este jugo de ferro da conformidade exterior tenha deixado uma marca servil sobre nossos pescoços; o fantasma de uma decência pálida ainda nos assombra. Nós nos afanamos com impaciência à menor divergência de uma congregação visível ante outra, ainda que não seja em relação aos princípios fundamentais; e através do nosso impulso para frente de suprimir, e para trás de recuperar qualquer pedaço subjugado da verdade dos punhos dos costumes, não nos importamos em manter a verdade separada da verdade, o que é a ruptura e a desunião mais cruel de todas. Não vemos que, enquanto ainda afetamos de todos os modos uma rígida formalidade externa, podemos muito rapidamente cair de novo numa grosseira estupidez conformista, um duro e morto congelamento de madeira e de feno e de palha, forçados e gelificados juntos, o que faz mais pela súbita degeneração de uma Igreja do que muitas sub-dicotomias e cismas triviais.
Não que eu possa pensar bem de qualquer separação mais ligeira, ou que tudo a se esperar de uma Igreja seja ouro e prata e pedras preciosas: não é possível para o homem separar o joio do trigo, o bom peixe do resto da fritada; este será o ministério dos Anjos no fim das coisas mortais. Ainda assim se todos não puderem ser uma só alma – e quem disse que deveriam? – é sem dúvida mais íntegro, mais prudente, e mais cristão, que muitos sejam tolerados, mais do que coagidos. Não digo que se deva tolerar o papismo, e a franca superstição, que, na medida em que extirpa todas as religiões e supremacias civis, assim deveria ele mesmo ser extirpado, desde que antes todos os meios caridosos e compassivos tenham sido empregados para ganhar e recuperar o fraco e o transviado: também aquilo que é absolutamente ímpio ou perverso seja contra a fé ou os costumes nenhuma lei pode permitir, a menos que queira se deslegitimar a si mesma: mas é daquelas diferenças próximas, ou antes indiferenças, que eu falo, seja em algum ponto de doutrina ou de disciplina, que, por mais variadas que sejam, ainda assim não interrompem A UNIDADE DO ESPÍRITO, se ao menos pudermos encontrar entre nós O LAÇO DA PAZ.
Enquanto isso se alguém vier a escrever, e trouxer sua útil mão ao lento movimento da Reforma sob a qual trabalhamos, se a Verdade tiver falado a ele antes do que a outros, ou se ao menos parecer ter falado, quem nos jesuitizou assim para que estorvemos este homem obrigando-o a buscar alguma permissão para realizar um feito tão digno? e sem considerar isto, que se a censura for decretada, não há nada que com maior probabilidade virá a sofrer a censura do que a própria verdade; cuja primeira aparição aos nossos olhos, turva e baça sob o preconceito e os costumes, é mais indiscernível e implausível do que muitos erros, assim como é a personalidade de muitos grandes homens débil e desprezível ao olhar. E porque nos falam em vão de novas e inquietantes opiniões, quando a própria opinião deles, de que ninguém deve ser ouvido senão aqueles que lhes apraz, é a pior e mais nova opinião dentre todas as outras; e é a causa principal pela qual as seitas e os cismas tanto abundam, e o verdadeiro conhecimento é mantido à distância de nós; além de um perigo ainda maior que está nela.
Pois quando Deus abala um reino com anseios fortes e sadios por uma reforma geral, a verdade é que muitos sectários e falsos professores se afanam então em seduzir; mas é ainda mais verdade, que Deus então ergue para sua própria obra homens de raras habilidades, com mais do que a laboriosidade comum, não somente para olhar para trás e rever o que foi ensinado até então, mas para avançar e seguir alguns passos iluminados a mais na descoberta do sol. Pois tal é a ordem de Deus iluminando sua Igreja, dispensar e difundir por graus sua luz, de modo que nossos olhos terrestres possam suportá-la melhor.