Do Livro das Maravilhas do Mundo ditado por Marco Polo e redigido por Rustichello de Pisa. Veneza, por volta de 1300 d.C.
Em 1260 dois comerciantes venezianos, Niccolò e Maffeo Polo, foram negociar no kaanato tártaro da Crimeia. Quando os exércitos locais do Kaan caíram diante de outro príncipe tártaro, as estradas do ocidente foram fechadas e os irmãos, não se atrevendo a ficar, fugiram para leste de Bokhara. Dois anos depois chegaram lá uns enviados de Kublai Kaan e sabendo do grande desejo do imperador mongol de implantar a civilização ocidental entre os seus súditos, convidaram os irmãos Polo a acompanhá-los. Kublai os recebeu muito bem, deu-lhes cargos de confiança, e depois de alguns anos mandou-os ao Papa para lhe pedir cem homens educados que pudessem ensinar o cristianismo e as artes liberais ao seu povo. Chegaram a Roma em 1269, mas só conseguiram arranjar dois frades que se atreveram a correr o risco; ambos logo perderam o ânimo e voltaram atrás. Mas Marco, filho de Niccolò, então com dezessete anos de idade, acompanha-os. Retornando em 1275, os dois irmãos voltam a ocupar cargos importantes e Marco torna-se uma figura distinta. Em 1292 O velho Kaan, que morreria dois anos depois, dá-lhes com grande relutância licença para voltarem. Retornando à pátria em 1295, Marco é aprisionado num combate naval contra os genoveses três anos depois, e metido na prisão durante um ano, quando dita a narração das suas viagens a um companheiro de cela, Rustichello de Pisa, que as publica logo depois.
O Palácio de Kublai
Depois de uma cavalgada de três dias na direção dentre nordeste e o norte, chegou-se a uma cidade chamada Chandu que foi edificada pelo Kaan então reinante. Há nesta cidade um magnífico palácio de mármore cujos quartos são todo dourados e pintados com figuras de homens, de animais e de aves, e com uma variedade de árvores e flores, tudo executado com uma arte tão maravilhosa que as contemplais com prazer e admiração.
A roda deste palácio está levantada uma muralha que cerca um espaço de dezesseis milhas, e na chapada há fontes e rios e regatos e belos prados com toda a casta de animais bravos (com exceção dos de natureza feroz) que o imperador reúne para dar alimento aos seus falcões e milhafres que ele ali tem. Há ali mais de duzentos falcões sem contar as outras aves de rapina. O Kaan vai em pessoa todas as semanas ver as suas aves, e algumas vezes vai a cavalo pela tapada com um leopardo na garupa e então se vê algum animal que o tenta, atira-lhe o leopardo; e a caça é dada aos milhafres. Isto faz ele por divertimento.
Além disso (num sítio da chapada onde há um lindo bosque) há outro palácio construído de canas, do qual vos devo fazer uma descrição. É todo dourado e muito bem acabado por dentro. Apoia-se em colunas douradas e lacadas, em cada uma das quais está um dragão dourado cuja cauda está presa à coluna enquanto a cabeça suporta a arquitrave, assim como as garras que estão estendidas para a direita e para a esquerda. O telhado, assim como o resto, é formado de canas cobertas com um verniz tão forte e tão excelente que não há chuva que as apodreçam. Estas canas têm uns bons três palmos de grossura e de dez a quinze passos de comprido. São cortadas em cada nó e os pedaços são partidos de modo a formarem duas telhas ocas das quais o telhado é formado; cada uma destas telhas de cana tem que ser pregada para evitar que o vento as levante. Em poucas palavras, todo o palácio é construído com estas canas que (posso dizê-lo) servem também para muitos outros fins uteis. A construção do palácio é feita de tal modo que pode ser desmanchado e tornado a armar com grande rapidez; e pode ser levado para onde o imperador quiser. Quando está montado é seguro (por causa do vento) por mais de duzentas cordas de seda.
A moeda de papel
Agora que já vos contei minuciosamente o esplendor desta cidade do imperador, vos falarei da casa da moeda que ele tem na mesma cidade na qual se faz a sua moeda como vos direi. E ao fazer isto, observar-vos-ei que o Senhor pode muito bem fazer ainda muito mais do que eu vos contei ou de que vos hei de contar neste livro. Porque de qualquer maneira que o conte nunca vos convencereis que estou dentro da verdade e da razão!
A casa da moeda do imperador está nesta mesma cidade de Cambaluc, e o modo por que é feita é tal, que poderíeis dizer que ele possui na perfeição o segredo da alquimia e teríeis razão! Porque ele faz moeda desta maneira: faz cortar o tronco duma certa árvore, da amoreira, cujas folhas são o sustento dos bichos de seda, e que são em tão grande número que distritos inteiros estão cheios delas. O que lhe tiram é uma certa polpa ou pele que está entre a madeira da árvore e a casca grossa de fora e que transformam numa coisa parecida com uma folha de papel, mas preto. Depois destas folhas terem sido preparadas, são cortadas em bocados de diferentes tamanhos. (O seu valor vai desde o mais pequeno até á maior importância). Todos estes pedaços de papel são postos em circulação com tanta solenidade e autoridade como se fossem de prata ou ouro puro; e em cada pedaço uma quantidade de empregados, que têm essa obrigação, põem o seu nome e o seu selo. E quando tudo está devidamente preparado o empregado superior nomeado pelo Kaan tinge o carimbo que lhe foi confiado com carmin, e imprime-o no papel de maneira que as formas do selo ficam estampadas nele em vermelho; então a moeda é autentica. Todo aquele que a falsifica é condenado à morte. E o Kaan faz todos os anos tal quantidade desta moeda que nada lhe custa, que deve igualar todos os tesouros do mundo.
Com estes pedaços de papel feitos do modo que eu descrevi, faz ele todos os seus pagamentos; e fá-los correr em todos os seus reinos, províncias e territórios, até onde se estende o seu poder e soberania. E ninguém, por mais importante que se possa julgar, se atreve a recusá-los, sob pena de morte. E de fato toda a gente os aceita de boa vontade porque por onde quer que uma pessoa vá nos domínios do grande Kaan, verá que estes pedaços de papel correm, e poderá transacionar todas as compras e vendas de mercadorias por meio deles, como se fossem moedas de ouro puro. E além disso são tão leves que o valor de dez bezantes não pesa mais dum bezante de ouro.
Além disso todos os negociantes que chegam da Índia ou doutros países trazendo consigo ouro ou prata ou pedras preciosas e perolas, são proibidos de os vender a quem quer que seja, exceto ao imperador. Ele tem doze peritos escolhidos para este negócio, homens de grande esperteza e experiência nestes assuntos; estes avaliam os artigos e então o imperador paga por eles um preço bom com aquele pedaço de papel. Os negociantes aceitam o seu preço de boa vontade, porque, em primeiro lugar, ninguém lhes daria um tão bom, e além disso porque são imediatamente pagos. E com este dinheiro de papel podem comprar o que quiserem em qualquer parte do império, sendo além disso muito fácil de levar nas suas jornadas. E é um fato que os negociantes trazem diversas vezes no ano fazenda no valor de 400.000 bezantes e o Grão Senhor paga-lhes tudo com aquele papel. Deste modo compra tal quantidade destas coisas preciosas todos os anos, que o seu tesouro não tem fim, ao passo que a moeda que ele dá não lhe custa nada! Além disso diferentes vezes no ano faz-se uma proclamação pela cidade anunciando que todo aquele que tiver ouro, ou prata, ou pedras preciosas e perolas as pode levar à casa da moeda onde lhe darão um bom preço. E os seus possuidores têm satisfação em fazê-lo, porque ninguém lhes daria um preço tão alto. Deste modo a quantidade que trazem é espantosa, posto que os que não quiserem fazê-lo não sejam a isso obrigados. Apesar disto, desta forma quase todos os valores do país passam para as mãos do Kaan.
Quando qualquer destes pedaços de papel se estraga apesar de não serem muito delgados – o dono leva-os à moeda, e pagando três por cento sobre o seu valor obtém novos pedaços em troca. E se algum barão ou outra pessoa qualquer precisa de ouro ou prata ou pedras preciosas ou pérolas para fazer baixelas ou cintos ou coisas semelhantes, vai à moeda e compra tanto quanto quiser, pagando com aquela moeda de papel.
Agora ouvistes o modo pelo qual o grande Kaan pode ter, e de facto tem, mais tesouros que todos os reis da terra, e ficastes sabendo tudo a este respeito, e o modo como isso é feito.
Os doze barões que dirigem os negócios
Deveis saber que o grande Kaan escolheu dôze grandes barões, aos quais entregou a administração de trinta e quatro grandes provincias, e agora falar-vos-ei delles e das Slla S CaSaS.
Deveis saber que estes dôze barões vivem juntos, num palacio muito rico e belo que está dentro da cidade de Cambaluc, e que se compõe de muitos edificios com muitas séries de aposentos. A cada provincia está destinado um juiz e diversos empregados, e todos residem neste palacio, onde cada um tem os seus aposentos separados. Estes juizes e empregados administram todos os negocios das rovincias a que pertencem, debaixo da direcção dos dôze arões. Comtudo, quando um assunto é duma grande importancia, os barões submetem-no ao imperador, que decide o que entender melhor. Mas o poder destes dôze barões é tão grande que escolhem os governadores das trinta e quatro grandes províncias que já mencionei, e só depois de os escolher é que informam o imperador da sua escolha. Este confirma-os e dá à pessoa nomeada uma chapa de ouro apropriada à classe do seu governo. Estes doze barões têm também tal poder que podem dispor dos movimentos do exército e mandá-lo para onde quiserem, na força que entenderem Apesar disto ser feito com o conhecimento do imperador, as ordens são dadas pelos barões. São chamados Shieng, o que equivale a Supremo Tribunal, e o palácio onde moram também se chama Shieng. Este corpo forma o mais alto poder na corte do grande Kaan; e de fato podem favorecer e fazer progredir quem entenderem. Não vos falarei agora das trinta e quatro províncias, porque serão mencionadas em pormenor no seguimento deste livro.
Como seus mensageiros e carteiros percorrem terras e províncias
Agora deveis saber que desta cidade de Cambaluc partem muitas estradas e caminhos conduzindo a uma grande quantidade de províncias, cada estrada a sua província; e cada estrada tem o nome da província à qual vai dar, o que é uma coisa muito sensata. E os mensageiros do imperador, partindo de Cambaluc, qualquer que seja a estrada, encontram de vinte e cinco a vinte e cinco milhas uma estação que eles chamam Yamb ou, como nós diríamos, uma muda [de cavalos de posta]. E em cada uma destas estações utilizadas pelos mensageiros ha um belo edifício para se alojarem no qual encontram todos os quartos fornecidos com belas camas, e todas as cousas necessárias de rica seda e onde lhes fornecem tudo quanto desejarem. Mesmo se um rei chegasse a uma destas estações ficaria bem alojado.
Além disso em algumas destas estações há uns quatrocentos cavalos prontos para serem utilizados pelos mensageiros; e em outras há duzentos segundo as necessidades e o que o imperador determinou em cada caso. Em cada vinte e cinco milhas ou quando muito em cada trinta, encontrareis uma destas estações em todas as estradas principais que conduzem aos diferentes governos provinciais; e o mesmo acontece em todas as principais províncias sujeitas ao grande Kaan. Mesmo quando os mensageiros têm que passar por uma terra sem estradas onde não haja nem casas nem hotel, encontram da mesma forma as estações com a diferença que os intervalos entre elas são maiores, e a viagem de cada dia é fixada em trinta e cinco ou quarenta e cinco milhas em vez de vinte e cinco a trinta. Mas são providas de cavalos e de tudo necessário como naquelas que descrevi, de maneira que os mensageiros do imperador, venham de que região vierem, encontram sempre tudo pronto. E na verdade tudo isto é feito no mais alto grau de magnificência que jamais se viu. Nunca imperador, rei ou senhor teve tal riqueza como a que este mostra. Porque é um facto que em todas estas estações juntas ha mais de trezentos mil cavalos, especialmente destinados aos mensageiros. E os grandes edifícios que eu mencionei são em número superior a dez mil todos ricamente mobilados como disse. E tudo feito numa escala tão magnifica e dispendiosa que é difícil descrever. E agora vos contarei outra coisa que me tinha esquecido, mas que deve ser mencionada enquanto estou neste assunto. Deveis saber que por ordem do grande Kaan estabeleceram-se entre estas casas de posta, de três em três milhas, um pequeno forte com umas quarenta casas à roda, onde vive a gente que serve de carteiros a pé do imperador. Cada um destes carteiros usa um grande cinto largo, cheio de campainhas, de maneira que, quando percorrem as três milhas de posto a posto ouvem-se a uma grande distância. E assim, ao chegar ao posto seguinte, o carteiro encontra outro homem equipado do mesmo modo e pronto a tomar o seu lugar, que rapidamente recebe o que ele traz e juntamente um papel do empregado que está sempre pronto, e assim o novo homem parte a percorrer as suas três milhas. Na estação seguinte encontra o substituto da mesma maneira, e assim a posta vai seguindo com uma muda de três a três milhas. Deste modo o imperador que tem um número imenso destes carteiros, recebe despachos com notícias de lugares a dez dias de marcha num dia e numa noite; ou se for necessário, notícias duma distância de cem dias de marcha, em dez dias e noites; e isto não é uma coisa insignificante! De fato na estação das frutas, muitas vezes a fruta é apanhada de manhã em Cambaluc e na tarde do dia seguinte chega a Chandre onde está o grande Kaan que fica a dez dias de jornada. O empregado em cada posto toma nota da hora em que cada mensageiro chega e parte; e há muitas vezes outros empregados que têm por obrigação visitar mensalmente todas as postas e castigar os carteiros que não foram expeditos no seu trabalho. O imperador isenta estes homens de todos os tributos e além disso paga-lhes. Além disto ha também nestas estações outros homens igualmente equipados com cintos de campainhas, que são empregados como expressos, quando há necessidade duma grande pressa em mandar despachos a algum governador de província ou dar notícias quando algum barão se revoltou ou em circunstâncias semelhantes; e estes homens caminham umas boas duzentas ou duzentas e cinquenta milhas de dia e outro anto de noite. Vou contar como isto é feito. Tomam um cavalo daqueles que já estão selados e prontos nas estações, frescos e vigorosos, montam e partem a toda a velocidade. E quando na posta seguinte ouvem as campainhas, aprontam um outro cavalo e outro homem equipado da mesma maneira que toma a carta ou o que houver, e parte a toda a velocidade para a terceira estação onde encontra outro cavalo fresco; e desta forma o despacho vai de estação em estação sempre a galope com uma muda regular de cavalos. E a velocidade com que vão é maravilhosa. Contudo de noite não podem ir tão rápido como de dia por terem que ser acompanhados por homens a pé com archotes que não os podiam seguir a toda a velocidade. Estes homens são muito estimados; e nunca poderiam fazer o que fazem se não apertassem fortemente o estômago, o peito e a cabeça com fitas muito rijas. E cada um leva uma chapa com um falcão; sinal que vai como expresso urgente; de maneira que se por acaso o seu cavalo desfalece ou lhe acontece qualquer outro acidente, quem quer que encontre na estrada é obrigado a desmontar-se e a dar-lhe o cavalo. Ninguém se atreve a recusar num caso destes, de maneira que o carteiro tem sempre um cavalo fresco para o levar. Ora todos estes bons cavalos de posta não custam nada ao imperador; vou dizer como e porquê. Toda a cidade, vila ou aldeia que está próxima a uma destas estações de posta tem que fornecer à posta tantos cavalos quantos poder dispor. E deste modo são fornecidas todas as postas da cidade, assim como as das vilas e aldeias à sua volta; só nos lugares desabitados é que os cavalos são fornecidos à custa do imperador. As cidades não tem sempre os quatrocentos cavalos na posta, mas todos os meses duzentos estão na posta e os outros duzentos no pasto, vindo depois render os primeiros. E se acontece haver um rio ou lago que os carteiros tenham de atravessar, as cidades vizinhas são obrigadas a ter três ou quatro botes prontos para esse fim.
E agora vou contar o grande bem que o imperador faz ao seu povo duas vezes por ano.
Como o imperador socorre o seu povo quando é flagelado pela fome ou pela doença
Agora deveis saber que o imperador manda os seus mensageiros por todas as suas terras, reinos e províncias para saber dos seus funcionários, se o seu povo padece de qualquer necessidade em virtude de estações desfavoráveis, de tempestades, de gafanhotos ou de calamidades semelhantes; e aqueles que tiverem sofrido estes males não pagam impostos durante esse ano; mais, ele faz com que sejam fornecidos do seu próprio trigo para alimento e para semente. Ora isto é sem duvida uma grande caridade da sua parte. E quando chega o inverno ele manda fazer inquéritos àqueles que perderam os seus gados por doença ou outro acidente, e estes não só não pagam nada, mas recebem presentes de gado. E assim, como vos digo, o rei todos os anos, auxilia e protege a gente que lhe é sujeita.
O grande Kaan tem outra singularidade que vos narrarei; se por acaso um tiro do seu arco acertar nalgum rebanho, quer pertença a uma ou a muitas pessoas e qualquer que seja o tamanho dele, durante três anos não cobra nenhum imposto sobre ele. Da mesma maneira se a flecha acertar num barco cheio de mercadorias este não paga imposto; porque é considerado uma infelicidade que uma fecha acerte nos bens de alguém, e o grande Kaan diz que seria uma abominação para com Deus, se aqueles bens que tinham sido tocados pela cólera divina, entrassem no seu tesouro.
Como o grande Kaan faz com que sejam plantadas árvores nas estradas
Além disso o imperador ordenou que em todas a estradas percorridas pelos seus mensageiros e pela gente em geral, fossem plantados renques de árvores grandes de espaço a espaço; e deste modo as árvores são visíveis a uma grande distância e ninguém pode perder o caminho quer de dia quer de noite. Mesmo as estradas que atravessam lugares desabitados são plantadas do mesmo modo, o que é duma grande utilidade aos viajantes. Isto é feito em toda a parte onde for necessário. O grande Kaan planta estas árvores com tanta maior facilidade porquanto os seus astrólogos e adivinhos lhe disseram que quem planta árvores vive muito.
Mas onde o terreno é tão arenoso e deserto que as árvores não se deem, faz com que se ponham marcos, pilares ou pedras para indicar o caminho.
Em que se fala das pedras negras que são extraídas em Cathay e que são queimadas como combustível
E um fato que em todo o país do Cathay ha uma espécie de pedra preta que existe em leitos nas montanhas, e que é extraída e queimada como se fosse lenha. Se forem deitadas à noite no fogo e bem atiçadas serão encontradas de manhã a arder; e são um combustível tão bom que nenhum outro é usado no país. É verdade que têm abundancia de florestas mas não “as queimam porque as pedras ardem melhor e custam menos. Além disso com a grande quantidade de pessoas e com o grande número de banhos que têm que aquecer porque cada um toma um tal banho pelo menos três vezes por semana e no inverno se for possível todos os dias, e todos os nobres e homens ricos têm um banho particular, a madeira não chegava.
Como o grande Kaan faz armazenar uma grande quantidade de trigo para dar aos pobres em ocasião de fome
Deveis saber que quando o imperador vê que o trigo está barato e abundante, compra grandes quantidades e armazena-o em todas as suas províncias em grandes celeiros onde é tão bem guardado que se conserva por três ou quatro anos. E isto aplica-se, deixai que o diga, a todas as qualidades de cereais quer seja trigo, cevada, arroz ou qualquer qualidade que seja, e quando há falta de um deles ele faz com que aquele seja distribuído. E se o seu preço é de um bezante por medida, vende-se por um bezante cada quatro medidas ou por qualquer preço que produza o embaratecimento geral; e todos desta forma podem ter alimento. E com estes cuidados do imperador o seu povo nunca sofre fome. Ele faz isto por todo o seu império armazenando estes fornecimentos em toda a parte, segundo o cálculo das necessidades e precisões do povo.
Da caridade do imperador para com os pobres
Já vos contei como o grande Kaan provê à distribuição de alimentos ao seu povo em tempo de fome, armazenando quando há abundancia. Agora vou contar as suas esmolas e a sua grande caridade para com os pobres da sua cidade de Cambaluc.
Ele faz uma escolha dum certo numero de famílias na cidade que sejam indigentes e estas famílias podem consistir de seis pessoas na mesma casa, outras de dez, ou menos ou mais, segundo os casos, mas sempre um número grande. E ele faz com que cada família seja fornecida com trigo e outros cereais, suficiente para todo o amo. E nunca deixa de fazer isto todos os anos. Além disso todos aqueles que querem ir ao almoço diário da corte recebem cada um pão quente do forno e ninguém é posto fora, pois estas são as ordens do rei e deste modo umas trinta mil pessoas vão buscá-lo todos os dias desde o principio ao fim do ano. Ora isto é uma grande bondade do imperador, o ter compaixão dos seus pobres! E recebem tantos benefícios com isto, que o adoram como se fosse Deus.
Também fornece roupa aos pobres. Porque impõe uma décima sobre toda a lã, seda, linho e coisas parecidas de que se fazem fatos e esta decima parte é tirada e guardada num armazém feito de propósito; e como todos os artífices são obrigados a dar um dia de trabalho por semana, deste modo o Kaan transforma todos aqueles tecidos em vestes para as famílias pobres próprias para o inverno ou verão conforme a estação. Também dá vestuário às suas tropas e tem lãs tecidas para elas em todas as cidades cujos materiais são fornecidos pela décima acima mencionada. Deveis saber que os Tártaros antes de ser convertidos à religião dos idolatras não davam esmolas; de fato quando alguém lhe pedia, respondiam-lhe: – Vai com a maldição de Deus porque se Ele te amasse como me ama, ter-te-ia ajudado! Mas os sábios dos idolatras e especialmente os Baisis já mencionados, disseram ao grande Kaan que era uma boa obra fazer bem aos pobres e que os seus ídolos ficariam muito satisfeitos se ele também o fizesse. E desde então ele tem feito como acabo de contar.
Como o grande Kaan tem uma guarda de doze mil cavaleiros quе se chamam kashican
Deveis saber que o grande Kaan para manter o seu estado tem uma guarda de doze mil cavaleiros chamada kashican o que quer dizer: “Cavaleiros dedicados ao seu senhor.” Ele não os tem com medo de qualquer homem mas somente por causa da sua alta dignidade. Estes doze mil homens têm quatro capitães cada um dos quais comanda três mil homens; e cada um destes corpos de três mil homens faz um turno de três dias e três noites de guarda ao palácio onde também comem as refeições. Acabados os três dias e as três noites são rendidos por outros três mil homens que estão de guarda durante o mesmo tempo, de maneira que há sempre três mil homens de guarda. Isto continua até que os doze mil homens que se chamam (como disse) kashican façam todos guarda, e volta depois ao princípio desde o começo até ao fim do ano.
Da coleção Biblioteca Universal, Volume VII.