Extrato do Mestre de Capela Completo de Johann Mattheson. Hamburgo, 1739 d.C.
A parte mais importante e extraordinária da ciência do som é a parte que examina os efeitos da boa disposição dos sons sobre as emoções e a alma. Isto, como se pode ver facilmente, é uma matéria tão abrangente quanto útil. Para quem pratica a música é ainda mais importante do que para quem a teoriza, apesar de sua preocupação primordial com a observação. De muito interesse aqui é a doutrina dos temperamentos e das emoções, a respeito da qual Descartes é particularmente digno de ser estudado, já que ele fez muito em música. Esta doutrina nos ensina a distinguir entre o espírito dos ouvintes e as forças sonoras que têm um efeito sobre eles.
O que são as paixões, quantas são, como podem ser movidas, se devem ser eliminadas ou admitidas ou cultivadas, parecem ser questões que pertencem mais propriamente ao campo dos filósofos do que dos músicos. O último deve saber, no entanto, que os sentimentos são a verdadeira matéria-prima da virtude, e que a virtude nada mais é que um sentimento bem ordenado e moderado. Aqueles afetos, por outro lado, que são os mais fortes, não são os melhores e deveriam ser aparados ou mantidos em rédeas firmes. Este é um aspecto da moralidade que o músico deve dominar a fim de representar a virtude e o mal com a sua música, e despertar em seu ouvinte o amor pela primeira e o ódio pelo segundo. Pois o verdadeiro propósito da música é ser, acima de todas as coisas, uma lição moral.
Aqueles que são entendidos nas ciências naturais sabem como nossas emoções funcionam fisicamente, por assim dizer. Seria vantajoso para o compositor ter algum grau de conhecimento nessas questões. Uma vez que, por exemplo, a alegria é uma expansão dos nossos humores vitais, segue-se sensivelmente e naturalmente que este afeto é melhor exprimido por intervalos largos e expandidos. A tristeza, por outro lado, é uma contração daqueles mesmos elementos sutis do nosso corpo. É, portanto, fácil perceber que os intervalos mais curtos são os mais adequados. O amor é uma difusão dos humores. Portanto, a fim de exprimir esta paixão na composição, o melhor é utilizar intervalos desta natureza. A esperança é uma elevação do espírito; o desespero, por outro lado, é um abatimento do mesmo. Estes são temas que podem ser bem representados pelo som, especialmente quando outras circunstâncias (em especial o ritmo) contribuem com a sua parte. Do mesmo modo, podemos formar uma imagem concreta de qualquer emoção e tentar compor de acordo com ela.
Orgulho, altivez, arrogância etc., todos têm também a sua respectiva coloratura musical. Aqui o compositor se apoia principalmente sobre a audácia e a pomposidade. Assim ele tem a oportunidade de escrever todo tipo de bela figura musical que requer uma seriedade especial e movimentos bombásticos. Ela jamais deve ser demasiado rápida ou decaída, mas sim em contínua ascensão. O oposto desse sentimento está na humildade, paciência etc., tratadas na música por passagens que soem rebaixadas, sem qualquer registro que indique alguma elevação. Este último sentimento, no entanto, concorda com o primeiro na medida em que nenhum deles admite o humor ou a brincadeira.
A música, ainda que o seu propósito principal seja agradar e ser graciosa, deve algumas vezes prover dissonâncias e sonoridades ásperas. Em alguma medida e com os meios adequados, deve prover não somente coisas desagradáveis e incômodas, mas até mesmo assustadoras e horripilantes. O espírito ocasionalmente extrai um prazer peculiar até mesmo disso.
O exemplo das danças
O minueto, seja ele composto para ser tocado, cantado ou dançado, não tem qualquer outro afeto senão o contentamento moderado.
Vejamos depois a gavotte, cujo verdadeiro afeto é o de uma jubilosa alegria. A característica esperançosa da gavotte é a sua verdadeira propriedade. Uma melodia que tem uma característica ainda mais fluida, suave, lisa e gentil do que a gavotte é a bourrée. Tais melodias parecem satisfeitas, solícitas, despreocupadas, relaxadas, despretenciosas, confortáveis e, ainda assim, agradáveis. Seguindo em frente, tomemos o rigaudon, cuja melodia é, na minha opinião, uma das mais deleitosas. Sua característica é, digamos, a de gracejos prazenteiros. Nosso próximo tópico de exame concerne a marcha, que pode ser tanto séria como divertida. Seu verdadeiro caráter é heroico e destemido, porém nunca selvagem ou ansioso. O compositor deve conceber uma imagem pensando num herói, com um espírito firme que seja audacioso e inabalável. Um tal espírito não pode vacilar nem ante argumentações sofisticadas nem por impulsos passionais. A imagem que o compositor deveria ter em mente é não a de um fogo devorador, mas de um ardor valente.
Deixemos essas coisas em seu frescor e sigamos rapidamente para as melodias sérias, ou seja, a gigue, cuja qualidade peculiar é a de um afã quente e apressado, uma raiva que logo evapora. A loures, ou gigues lentas e compassadas, por contraste, exibem um caráter orgulhoso e pomposo, que as faz bastante populares na Espanha. A canarie deve ter uma qualidade marcadamente desejosa e vivaz, e, contudo, ser de algum modo singela.
Todos esses comentários não visam tanto um entendimento de danças particulares quanto uma compreensão completa da riqueza contida nelas e o emprego habilidoso dessa riqueza. Eles são úteis em muitas composições de uma natureza aparentemente mais importante, especialmente em músicas vocais elegantes e na expressão de todos os tipos de paixão. As incríveis ideias que podem fluir destas fontes modestas são incontáveis. Grave bem esta observação! Há árias no ritmo de uma gigue, assim como há árias baseadas em outras espécies de melodias. Isto se aplica especialmente àquele tipo bastante eficaz de gigue, a loure. Com base tão somente na gigue eu posso exprimir quatro afetos importantes: a cólera ou impaciência, o orgulho, o desejo espontâneo, e a frivolidade. Por outro lado, se eu tivesse de transpor palavras sinceras e francas para a música, eu não escolheria nenhuma melodia melhor que a Polonesa, a polonaise. Na minha opinião, esta é a sua qualidade, seu caráter e seu afeto. O caráter de um povo raramente permanece escondido em suas diversões e danças, embora isso possa ocorrer em outras ocasiões.