Capítulo 31 do Clássico dos Ritos, conhecido como o Livro da Harmonia Perfeita ou da Doutrina do Meio (TYOQ-YOQ), um dos Quatro Livros canônicos do Confucionismo, supostamente redigido pelo neto de Confúcio, Tsi-Se ou Gnuen Xyen, a fim de registrar e transmitir a Lei Interior da Escola do Mestre. China, século V a.C.
I. O mandato ou a missão de Deus é a Lei Natural.
O mandato ou missão de Deus é a Lei Natural.
Submeter-se às exigências da Lei natural é o que se chama Moral, bons princípios ou Retidão.
O cultivo da Moral chama-se Educação ou Magistério.
A Moral não se pode abandonar um instante sequer. O que se pode abandonar será outra coisa, mas não a Moral.
Por isso um Homem, um Senhor, toma cuidado mesmo do que não vê, e acautela-se até do que não ouve.
Nada dá tanto nas vistas como o que se oculta; nem em nada se repara tanto como naquilo que desaparece.
Por isso um Homem vela sobre si quando está só.
Antes de qualquer movimento de gozo, ira ou alegria, diz-se que há Equilíbrio. Sobrevindo esses movimentos, se tudo for com medida, chama-se a isso Harmonia.
O Equilíbrio é o grande fundamento do universo; e a Harmonia o caminho para o êxito.
Com equilíbrio e harmonia, o céu e a terra estão certos, e todas as coisas se desenvolvem.
II. Dizia Dyôw-Ne [Confúcio]: “Um Cavalheiro realiza a Harmonia…
Dizia Dyôw-Ne [Confúcio]: “Um Cavalheiro realiza a Harmonia, ao passo que um indivíduo vulgar é avesso à harmonia perfeita.
A Harmonia perfeita, um Senhor, por ele ser Senhor, sempre a guarda; e a Harmonia perfeita para o homem vulgar, por isso mesmo que ele é vulgar, não tem vergonha de se esquivar à sua dificuldade.
III. Na Harmonia perfeita está a perfeição.
Na Harmonia perfeita está a perfeição. Poucas pessoas são capazes disso (dizia o Mestre) por muito tempo.
IV. Disse o Mestre: “Não se anda pelo caminho da Moral…
Disse o Mestre: “Não se anda pelo caminho da Moral, e eu percebo: Os espertos vão mais além, e os ignorantes ficam-se aquém.
Se a Moral não brilha, eu sei porque é: Os espertos passam-lhe adiante, e os outros não chegam lá.
Ninguém há que não coma e beba; mas poucos sabem distinguir os gostos.
V. Disse o Mestre: “O caso é que não se anda…
Disse o Mestre: “O caso é que não se anda pelo devido caminho”.
VI. Disse o Mestre: “Que grande a sabedoria de Zhwn…
Disse o Mestre: “Que grande a sabedoria de Zhwn! Zhwn gostava de fazer perguntas, e de ponderar as falas correntes. Ocultava o mau, e dava relevo ao bom. Atendia aos dois lados, e depois aplicava o que era bom ao povo. Assim foi ele aquele Zhwn.”
VII. Observou o Mestre: “Toda a gente diz: Eu bem sei…
Observou o Mestre: “Toda a gente diz: Eu bem sei. Vai nisto, caem numa armadilha ou numa cova, que não souberam evitar à prova da harmonia perfeita. Todos dizem: Eu sei. Vai-se à prova da harmonia perfeita, não lhe são fiéis um mês.”
VIII. Disse o Mestre: “O Whoej era um homem assim…
Disse o Mestre: “O Whoej era um homem assim: Dava-se à harmonia perfeita. Se conseguia algo de bom, apertava-o ao peito com ambas as mãos para o não perder”.
IΧ. Disse o Mestre: “Podem-se reger os reinos do mundo…
Disse o Mestre: “Podem-se reger os reinos do mundo. Podem-se recusar dignidades e honorários. Podem-se pisar espadas desembainhadas. Só não se é capaz de viver na harmonia perfeita.”
X. “E a valentia?”
“E a valentia?” perguntou Tsi-Low.
“De que valentia falas?” respondeu-lhe o Mestre “da gente do Sul? ou da do Norte? ou da tua valentia? Mandar com paciência e brandura, e não vingar sem-razões: é o forte da gente do Sul. Um Homem orgulha-se disso.
Dormir em cima das próprias armas, e não se importar de morrer: é brio dos do Norte. Os violentos cultivam isso.
Por isso um Homem é condescendente, mas sem fraqueza. Isso é que é valentia. Manter-se direito no meio, sem apoios. Que valentia!
Se no Estado há ordem, nem por isso trocar a sua vida privada. Também isso é valentia. E se o Estado anda mal, não mudar, nem que o matem. Se não é valentia”.
XI. Dizia o Mestre: “Levar uma vida retirada…
Dizia o Mestre: “Levar uma vida retirada, e pôr-se a fazer maravilhas que os vindouros possam contar: é coisa que eu não faria.
Ou então um cavalheiro vai andando pelo bom caminho e, chegado ao meio, abandona-o. Eu é que não desistiria.
(…)
Um Homem adaptar-se-á à harmonia perfeita. Mas viver escondido do mundo, que o não vê nem conhece, sem tal lhe pesar: só um Santo é capaz disso.”
XII. A virtude de um Cavalheiro…
A virtude de um Cavalheiro está em ser dedicado e apagar-se.
Homens e mulheres simples podem ter parte na Sabedoria, mas chegar ao ápice dela, nem os Santos o conseguem de todo. Homens e mulheres nada fracos, podem praticá-la, mas a sua perfeição, nem os Santos a alcançam toda.
Grande é o céu e a terra; mesmo assim ainda os homens se queixam.
Por isso, o Sábio, ao falar deles em geral, mal encontra por onde começar; e ao falar em pormenor, já não sabe onde acabar.
Quando a Canção (254, 3) diz: “Ao céu remonta o milhano / No pego o peixe espadana” refere-se às investigações que faz o Sábio no de cima e no de baixo.
A via do Sábio começa ao nível do homem e da mulher; mas ao atingir o cume, já está a examinar o céu e a terra.
XIII. Disse o Mestre: “A Palavra da Verdade não está longe…
Disse o Mestre: “A Palavra da Verdade não está longe do homem. Se alguém, ao praticá-la, se afasta dos homens, isso já não é a Verdade.
Diz a Canção (158, 2): ‘Talha o cabo! Talha o cabo! Que o modelo não ‘stá longe’. É com um podão de cabo que se faz outro cabo. Mas olhando de esguelha, podem parecer diferentes.
Por isso o Príncipe é um homem a governar homens: como estes reagem, assim ele procede.
Havendo lealdade e compreensão, não se está longe do bom caminho. O que não queremos feito a nós, não o façamos aos outros.”
“As virtudes de um Sábio são quatro, e eu nem uma só consegui: O que se pede a um filho, para servir ao pai, não o consegui. O que se exige de um ministro, no serviço do Príncipe, também o não consegui. O que se deseja do irmão mais novo para com o mais velho: outra coisa que eu não consegui. E o que se espera de um amigo, fazer-lho primeiro a ele: também o não consegui.
Mas na prática das virtudes ordinárias, e na atenção às falas correntes, se há falha, não deixo de me esforçar; e se vejo excesso, não o levo até ao fim. Nas palavras, olho às obras, e nas obras às palavras. Como pode um homem não ser singelo e reto?”
XIV. O Sábio procede ao natural da sua condição…
O Sábio procede ao natural da sua condição, e não inveja sair dela. Se é rico e nobre, como rico e nobre; se é pobre e humilde, procede como pobre e humilde; se é Yr ou Deg, vive como Yr ou Deg; e no meio de penas e dificuldades, acomoda-se a elas. Não há condição nenhuma em que um homem se não realize.
Colocado num lugar superior, ele não despreza os seus inferiores; e se está em lugar inferior, não se revolta nem desrespeita os superiores. Governa-se a si, sem mendigar dos outros; e por isso também não se queixa de ninguém: nem murmura de Deus lá em cima, nem culpa os homens cá em baixo.
Por isso o Sábio vive satisfeito, confiado na sorte que lhe coube; ao passo que o homem vulgar se mete em perigos, à busca de mais sorte.
Disse o Mestre: “O atirador tem parecenças com o Sábio: Se não acerta no grou do alvo, é a si que pede Contas.”
XV. A via do Sábio é comparável ao caminheiro…
A via do Sábio é comparável ao caminheiro que vai longe, começando de perto; e sobe às alturas, principiando de baixo.
Diz-se na Canção (164, 7): “Mãe e filhos bem unidos / São acordes musicais. O teu lar bem ordenado / Quer alegres esposa e filhos. União fraterna e boa / Será paz alegre e pura.”
Comentou o Mestre: “O Pai e a Mãe só gozarão com isso.”
XVI. Disse o Mestre: “Que magnífica a ação das Santas Almas!…
Disse o Mestre: “Que magnífica a ação das Santas Almas! Olha-se para elas, e não se veem; escutam-se, e não se ouvem. Mas elas influem em tudo, e não se podem esquecer.
Fazem elas com que os homens deste mundo, bem purificados e com as suas longas vestes, lhes apresentem as suas oferendas. Elas vão sem parar, como se estivessem por cima e à direita e à esquerda de cada um.
Dizem a propósito os Cantares (262, 7): “A chegada dos Espíritos / Não se pode pressentir / Muito menos desprezar”.
Quando o misterioso se revela, não é caso de ocultar. É acomodar-se.
XVII. Disse o Mestre: “Que grande a piedade…
Disse o Mestre: “Que grande a piedade de Zhwn para com os seus pais! Ele foi um santo, em virtude; foi o Filho do Céu em dignidade; e em riqueza teve quanto há dos Quatro Mares adentro. Foi obsequiado, no Templo dos Antepassados; e os seus descendentes mantêm a tradição.
Em razão da virtude, teve o trono, teve a riqueza, teve a fama e teve a sua longa vida.
Com efeito, Deus, ao produzir as criaturas, é segundo a capacidade de cada uma que lhes dá o crescimento. Chega a terra à arvore que está viçosa, e arranca a já esgotada.
(…)
Lê-se nos Cantares (255, 11): “Que feliz o nosso Príncipe! Bem mostra que tem virtude / Em reger povo e ministros. Do Céu tem a sua dita. Proteção e Providência, / É de Deus que tudo vem”.
De fato; aos homens de grande virtude, não lhes falta uma grande missão.
XVIII. Dizia o Mestre: “Sem mágoas foi o Rei Mhen…
Dizia o Mestre: “Sem mágoas foi o Rei Mhen. Teve por pai a Wão-Cvey, e por filho o Rei Mhu. O pai o inspirou, e o filho o continuou. Mhu-Wão continuou a empresa de Thaey-Wão (Derva), de Wão Cvey (Vaquar) e de Mhen-Wão (Mânua), Num só grande lanço ou tomada ele ganhou o Império. Em toda a sua vida não perdeu a grande fama que no Império tinha. A sua dignidade era a de Filho do Céu. Riqueza teve quanto havia dentro dos Quatro Mares. É obsequiado no Parental; os seus descendentes asseguram-lhe esses ritos.
O Rei Mhu era idoso, quando recebeu a sua Missão.
O Duque de Tjó completou as virtudes de Mhen e de Mhu. Outorgou o título de Rei a Thaey-Wão e a Wão-Cvey e prestou aos Príncipes anteriores (de Tjó) cerimônias de Filhos do Céu. Este mesmo teor ritual foi estendido aos Príncipes, aos Altos Magistrados, aos mandarins e ao comum do povo. Assim, se o pai tinha sido grande magistrado (Daeypho) e o filho era mandarim, fazia-se-lhe o funeral de alto magistrado e os obséquios ulteriores como a mandarim. Se o pai tinha sido mandarim e o filho era alto magistrado, o enterro era de mandarim e os Ofertórios de alto magistrado. O luto de um ano era extensivo aos altos magistrados, sendo o de 3 anos extensivo ao Filho do Céu. O luto pelos pais era uniforme, sem distinção de nobres ou plebeus.
XIX. Disse o Mestre: “Que eminente a piedade do Rei Mhu…
Disse o Mestre: “Que eminente a piedade do Rei Mhu e do Duque de Tjó!
A piedade mostra-se em continuar os planos e levar a bom termo as empresas dos Pais.
(…)
Na primavera e no outono, restauram-se as salas dos Antepassados, exibem-se os objetos deixados pelos Maiores, faz-se exposição das suas vestes, oferecem-se as iguarias do tempo.
Nos ritos do Parental avoengo, há distinção entre as placas do Sol (viradas ao Sul) e as da Sombra (Viradas ao Norte); distinguem-se dignidades, por ordem dos mais e menos nobres; e pela distribuição dos serviços, dá-se relevo às pessoas de valor. Às libações gerais, os inferiores servem os superiores. É, pois, a hora dos mais humildes.
No festim dos Idosos, a ordem é a das idades. Alinham-se conforme as suas categorias, e restam-se-lhes os respectivos ritos, com a sua música, honrando a quem eles honraram, e amando aos que eles acarinharam. Servem-se os mortos, como se servem os vivos. Servem-se os que já lá vão tal como os que cá estão, com a máxima piedade.
A cerimónia do Caav-Zyah é um sacrifício ao Imperador Celeste, ao passo que os ritos dos Tsoqmiaw (Parentais) são obséquios rituais aos Antepassados.
Para quem entende as cerimónias do Caav-Zyah e os Ofertórios quinquenais e de cada Outono, para esse governar a Nação é como tirar os prognósticos da palma da mão.”
XX. O Duque Aoj (Ar) perguntou sobre a Governação…
O Duque Aoj (Ar) perguntou sobre a Governação.
Disse o Mestre: “O que foi o Governo dos Reis Mhen e Mhu, está nos Registos das Chapas de Madeira e nas fichas de bambu. Havendo homens desses, o Governo floresce. Se esses homens desaparecem, também o bom Governo se extingue.
A virtude dos homens promove os regimes, tal como a força da terra alenta as plantas. O Governo é como os juncos e o caniço.
Uma vez que a governação depende dos homens, deve-se atender ao comportamento destes, apreciando a pessoa pela virtude, e a virtude peia sua humanidade.
Um homem é o que é a sua humanidade. O principal é o amor da família.
A equidade é o que é razoável. E começa por honrar os que são dignos.
As diferenças no amor dos parentes, e as diferenças na estima das pessoas dignas, nascem das relações naturais.
(…)
Se os de baixo não se dão com os de cima, o povo não pode ter um governo forte.
Desta maneira, um Chefe não pode descurar a sua perfeição. Pensando nela, terá que servir os parentes; e para atender aos parentes, deverá conhecer as pessoas. Ora, se se hão-de conhecer as pessoas, também não se pode deixar de conhecer a Deus.
No mundo há cinco vias universais, e três maneiras de as andar. São as relações entre o Soberano e os ministros, entre Pais e filhos, entre marido e mulher, entre irmãos mais velhos e mais novos, e as do trato entre amigos. Tais são as cinco vias universais do mundo. A sabedoria, a humanidade e a fortaleza são as três virtudes que obrigam a todos. E só há uma maneira de as guardar.
Uns conhecem estas coisas de nascimento, outros pelo estudo, outros é à força de penosas experiências que as chegam a conhecer, mas tudo vai dar ao mesmo. Uns praticam-nas pacificamente, outros por interesse outros forçados. Mas o resultado final é o mesmo.
Disse o Mestre: “Quem tem gosto de prender, aproxima-se do saber. Trabalhar para os outros, ajuda a ser humano. E o sentido da vergonha desperta a coragem.
Com estas três coisas, sabe-se como se há-de cultivar a pessoa, e sabendo cultivar a pessoa, sabe-se governar os outros, e daí sabe-se também governar os Estados do Império.
Todo o que houver de reger os Estados do Império, tem nove regras a cumprir: Cultivar-se a si mesmo, honrar os capazes, amar os parentes, respeitar os altos magistrados, ser compreensivo com todos os funcionários, ser paternal com o povo, animar os operários, acolher os visitantes de longe, e dar-se bem com os Príncipes Feudais.
(…)
Pelo aperfeiçoamento de si mesmo, dará exemplo dos bons princípios.
Respeitando os homens de valor, livrar-se-á de enganos.
Com o amor da família, evitará animosidades.
Dando-se com os ministros, não terá decepções.
O bom trato dos funcionários, levará estes a corresponderem-lhe dobradamente.
Sendo paternal com o povo, sentir-se-ão todos animados.
O interesse pelos operários fará que não faltem bens de consumo.
O bom acolhimento dos forasteiros atrairá muitos de toda a parte.
E se for bom para com os Príncipes Feudais, isso grangear-lhe-á reverência em todo o Império.
“A limpeza na higiene e o asseio no vestir, bem como a abstenção de todo o gesto impróprio, ajudarão ao cultivo da pessoa.
Afastar os aduladores e fugir da sensualidade, desprezar a riqueza e prezar a virtude, tal a maneira de animar os melhores.
Honrar a dignidade dos parentes, aumentar-lhes os rendimentos, participar nos seus gostos e desgostos, será a maneira de fomentar o amor da família.
Por seu lado os ministros sentir-se-ão animados, dando-lhes numeroso pessoal para os diferentes encargos e missões.
Quanto aos funcionários em geral apreciarão a confiança que lhes der e os bons vencimentos.
O povo andará bem disposto, se as tarefas forem na altura conveniente, e os impostos leves.
Os trabalhadores sentir-se-ão estimulados com visitas diárias e concursos mensais, e rações de gêneros consoante à obra que fazem.
Os visitantes, se os receberem à chegada e os acompanharem à despedida, e se virem os seus presentes apreciados e relevada a sua falta de posses, dar-se-ão por bem acolhidos,
Por outro lado, assegurar a continuidade de sucessões interrompidas, e reabilitar os Estados arruinados, pacificar os revoltosos e apoiar os ameaçados; e quando os Feudais vierem à Corte ou os seus representes, dar-lhes audiência a tempo, e despedi-los com presentes superiores aos que eles trouxeram, eis a maneira de Cativar os Príncipes Feudais.
Quem têm a responsabilidade do Império e dos seus Estados, siga as nove regras. A maneira de as praticar é pôr-se a isso.
Tudo requer preparação, para dar resultado; sem ela tudo falha.
Refletindo antes de falar, já não haverá hesitações; e assente primeiro o que se há-de fazer, não surgirão dificuldades. A execução planeada de antemão, poupará aflições. O método a seguir, concertado com antecedência, não encontrará obstruções.
(…)
Quando os de baixo não têm a confiança dos de cima, o povo não pode ter um governo forte. Mas há maneira de ter a confiança dos de cima. Quem não é fiel aos seus amigos, é que a não tem. É quanto a ganhar a confiança dos amigos, só quem não é obsequioso para com os Pais, é que não merece a confiança dos amigos,
Para ser obsequioso com os Pais, veja cada qual, refletindo em si próprio, se é simples ou singelo, pois se o não é, também não pode dar-se com os Pais. Mas há um caminho para alcançar a simplicidade da pessoa. Não havendo noção do bem, é que não se pode ter simplicidade pessoal.
A simplicidade é o caminho de Deus.
Praticar a simplicidade é também o caminho que o homem tem a seguir. Quem é simples acerta sem esforço, e tem êxito mesmo sem pensar. Quem é simples escolhe o bem e agarra-se a ele. Estuda-o amplamente, investiga-o profundamente, medita-o cuidadosamente, analisa-o com clareza, e executa-o com empenho.
Se ainda não estudou, ou estudou mas não percebeu, ele não desiste. Se não inquiriu, ou inquiriu sem perceber, não desiste. Se não meditou, ou meditou sem resultado, não desiste. Se não se esclareceu, ou ficou algo menos esclarecido, ele insiste. Se o não pôs em execução, ou não foi com todo o empenho, insistirá sempre. Por 1 que outros fizerem, ele fará 100; e se outros fizerem 10, ele fará 1000.
Seguindo resolutamente por esta via, até o rude se tornará inteligente, e o fraco forte.”
XXI. A evidência que brota da simplicidade…
A evidência que brota da simplicidade chama-se natural; a simplicidade a que se chega pela evidência, é fruto do ensino. Mas a simplicidade leva à evidência e a evidência impõe a singeleza.
XXII. Só os mais simples deste mundo…
Só os mais simples deste mundo conseguem realizar plenamente a sua natureza. Capazes de realizar plenamente a própria natureza, também podem fazer o mesmo com a dos outros. Nesse caso saberão igualmente tirar das coisas o máximo partido. Sabendo tirar esse aproveitamento das criaturas, podem secundar a obra criadora do céu e da terra, estando em condições de colaborar na sua obra.
XXIII. A seguir [aos simples] vêm os que sofrem…
A seguir [aos simples] vêm os que sofrem opressão ou injustiça. Nos que sofrem, pode haver simplicidade que acabará por se tornar patente, mesmo notória. Sendo notória há-de impressionar, comover, criar. Só os perfeitamente simples neste mundo, são capazes de criar.
XXV. A ação dos perfeitamente simples…
A ação dos perfeitamente simples é capaz de conhecer o futuro. Um Estado que virá a florescer, tem os seus felizes prognósticos. E um Estado em véspera de ruína, também lhe não faltarão maus agouros. O que se observa na aquileia e na tartaruga, é sinal do que se realizará à volta delas. Quando o azar ou a sorte vai chegar, saber-se-á de antemão. Isso acontece com o bom e com o mau.
Quem é autenticamente simples é como os Espíritos.
XXV. Os singelos atuam pela singeleza…
Os singelos atuam pela singeleza. Atuam por si.
O sim é o fim e o princípio das coisas: onde o não há, não há nada. Por isso mesmo o Sábio dá toda a importância à simplicidade.
Quem é simples não se fica na realização pessoal. A singeleza em ação leva também à promoção das criaturas. Realizar-se a si mesmo é humanidade. Promover as criaturas é saber. São duas virtudes da natureza que levam à coordenação do mundo interior. Por isso devem atuar constante.
XXVI. Portanto uma simplicidade perfeita…
Portanto uma simplicidade perfeita não para. Não parando, ela dura, e durando, evidencia-se.
Evidenciando-se, chega cada vez mais longe, tornando-se mais vasta e importante, mais excelsa e mais brilhante.
Na sua vastidão, ela abarca todas as coisas: Com o seu excelso esplendor, envolve tudo; com o seu longo alcance e duração, aperfeiçoa tudo.
Pela sua vastidão e solidez, parece-se com a Terra; pela sua altura e brilho, assemelha-se ao Céu. O seu alcance e duração não têm limites.
Sendo assim, ela revela-se, sem se exibir, desloca-se, sem se mover; e parecendo não fazer nada, faz tudo.
A via do Céu e da Terra numa só palavra se exprime: Fazem tudo à uma. E por isso a sua maneira de criar é insondável.
A ação do Céu e da Terra é vasta e liberal, excelsa e brilhante, de grande alcance e duração.
(…)
Agora, o céu é somente o que se vê lá um cima a brilhar; mas quando se toma na sua imensidade, o Sol e a Lua e as estreias estão nele pendentes. Cobre todas as coisas.
A Terra dir-se-ia apenas essa mão-cheia que se vê; mas quando se chega à sua vastidão e capacidade, ela carrega com o Whas e o Ngaog sem lhes sentir o peso; recolhe em si os rios e os mares, sem os deixar esvair-se: contém em si toda a criação.
Tomemos um monte. Dir-se-ia apenas uma série de rochas; quando na sua grandeza se criam ervas e árvores. Nele vivem as aves e os animais, além dos tesouros que nele se depositam em abundância.
E essa água, que parece uma simples concha dela; mas quando se torna insondável, cria em si grandes tartarugas, gaviais, dragões mochos, dragões, peixes, e tartarugas moles. Quantos produtos e riquezas dela vêm!
Lê-se no Livro dos Cantares: “A Divina Providência / Que imponente e não tem fim” / Por isso se diz que Deus é Deus. E ainda: ‘Oh! como brilha a virtude tão singela de Mhen-Wão!’ Por isso teve o nome de Mhen (O Ilustre). Foi grande, e não morre.”
XXVII. Que grande a via dos Santos!
Que grande a via dos Santos!
Tão vasta como o Oceano, para produzir e criar em si todos os seres. E sublime, que chega ao Céu!
(…)
Eminente, na sua distinção, ela abarca as 300 leis rituais, e os 3.000 preceitos de civilidade.
Esperemos homens desses, então se verá o resultado. Por isso se diz: Se não há uma virtude perfeita, também os bons princípios se não concretizam.
(…)
O Sábio, pois, respeita a natureza virtuosa, e dedica-se ao estudo, examinando a fundo, em conjunto e por miúdo. E quando chega a ver mais claro, então encontra a razão de ser da Harrmonia Perfeita.
Repassando o antigo, ele percebe o novo; e honra os Ritos generosamente.
É assim que o mesmo Sábio, posto no alto, não se ensoberbece; e em situação humilde, não se revolta.
Se o Estado anda bem governado, basta ele falar, para ser aplaudido; e se anda mal governado, basta o seu silêncio, para o deixarem em paz.
A este respeito dizem os Cantares (266, 4): “Percebendo-o, era prudente / Para a si se proteger”.
XXVIII. Disse o Mestre: “Um ignorante, mas que gosta de agir por si…
Disse o Mestre: “Um ignorante, mas que gosta de agir por si; um plebeu, amigo de se arrogar responsabilidades, ou homem que nasceu no presente, mas vive no passado: todos esses verão as desgraças que lhes caem em cima.
Só ao Filho do Céu compete estabelecer os Ritos, fixar as medidas, e determinar a escrita.
Hoje, em todo o Império, os carros tem os mesmos eixos, e a escrita os mesmos caracteres, havendo também normas comuns de comporta.
Quem ocupa o Trono, mas não tem a devida capacidade, não ouse mexer nos Ritos nem na Música. E se alguém tem capacidade, mas não está no Trono, também se não deve atrever a tocar nos Ritos e na Música.
Disse o Mestre: “Eu posso falar do Ritual da dinastia Hah; mas o Estado de Ki já não será capaz de atestar tudo. Estudei o Ritual da dinastia En; e este ainda se mantém no Estado de Sõw. Aprendi o Ritual de Tjó, hoje em vigor. Com ele me conformo.
XXIX. Na medida em que no Governo do Império…
Na medida em que no Governo do Império se tomarem a sério essas três coisas, haverá menos erros.
O que teve autoridade, por bom que fosse, não havendo quem o ateste, ninguém lhe dá crédito. E o que vem de baixo, pode ser excelente, mas não se respeita, e por isso também o povo o não segue.
Portanto, as leis do Príncipe partem da sua pessoa, mas sendo comprovadas pelo povo. Se forem comparadas às dos Três Reis, não serão insensatas. E se forem expostas ao Céu e à Terra, não serão injustas. Se forem também submetidas ao testemunho das Armas dos Antepassados, nada terão que censurar. Mesmo que seja preciso esperar cem gerações até que venha o SANTO, não há que ter dúvidas.
Chamar em testemunho os Espíritos dos Antepassados, sem receio, é ter o sentido de Deus. Esperar cem gerações pelo Santo, é ter o sentido dos homens.
(…)
Por isso mesmo, o comportamento do Príncipe será em sua vida a norma da Nação, e o seu exemplo a lei permanente da mesma. As suas palavras serão preceitos a vigorar constantemente.
Os que estão longe, terão saudades dele; e os de perto jamais se fartarão.
É o que dizem os Cantares (284) : “Lá não há quem os deteste / Nem cá deles se aborrecem. Dia a dia, a bem dizer. / Para sempre os louvarão.”
XXX. Dyõw-Ne começou por narrar a história de Gnao Zhiwrn…
Dyõw-Ne começou por narrar a história de Gnao Zhiwrn; e pintou como modelos a Mhen e Mhui. No alto mandam as estações do Céu; cá em baixo ajusta-se-lhes o clima.
Tal como o Céu e a Terra, que tudo sustentam e carregam, tudo cobrem e albergam; tal como as Quatro Estações que se sucedem alternadamente, e como o Sol e a Lua, que brilham à vez, todas as coisas se criam juntas, sem prejuízo umas das outras. Seguem vias paralelas, que não se implicam mutuamente. As de menos poder são como a água corrente das ribeiras; ao passo que as mais poderosas presidem a toda a evolução das coisas. Nisto se mostram grandes o Céu e a Terra.
XXXI. Só um perfeito Santo…
Só um perfeito Santo, no mundo, é poderoso inteligente, perspicaz e acessível, liberal, magnânimo, dado, benigno e cheio de paciência; ativo, forte, firme, constante, sempre na sua linha; moderado, grave, equilibrado, reto, sem falha em dar-se ao respeito; delicado, razoável, concentrado, observador, sabendo ser discreto; espírito vasto, de profunda imaginação, e que sabe ser oportuno.
Vasto como o universo, e profundo como as fontes, irradiando sempre a tempo as suas perfeições.
Imenso como o céu, e fundo como os abismos. Basta ele aparecer, para ninguém deixar de o venerar. Basta ele falar, para lhe darem crédito. Os seus exemplos agradam logo a todos.
E assim a sua fama inunda os Estados Centrais, e estende-se até aos Maen e aos Mg(Más). Aonde chegam navios e carros; por onde passa a força do homem; quanto cobre o céu e abarca a terra; tão longe como alcançam o sol e o luar, onde quer que a geada e o orvalho caiam; quanto existe com sangue mas veias e respira; tudo venera e ama o Santo. Por isso se diz que ele é comparável a Deus.
XXXII. Só os mais simples do mundo…
Só os mais simples do mundo podem destrinçar a magna urdidura do mesmo mundo, fixar as grandes bases do universo, conhecer a ação criadora do céu e da terra, e onde está o apoio de tudo isso.
Que dedicada a virtude de quem é humano! Que profundos são os abismos! E que vasto que é o céu!
Quem não for bem perspicaz, santo, prudente e entendedor do poder divino, como poderá perceber estas coisas?
XXXIII. Diz a Canção da Beldade…
Diz a Canção da Beldade (57,1): “Com a chita sobre os brocados”. Por não gostar de os exibir, é o sentido.
Assim é o Sábio, Mas, eclipsando-se, é quando ele se torna cada dia mais conhecido. O homem vulgar, pelo contrário, exibindo-se é que se arruína cada dia mais.
Pode a virtude do Chefe parecer insípida; mas não enjoa. Ele é simples mas elegante; complacente, mas equitativo; sabendo por onde começar para chegar longe, ele sabe de onde sopra o vento, e como dar relevo ao que é pequeno. Com isso chega à virtude.
Dizem também os Cantares (198, 11): Mesmo lá no fundo da água / Ainda bem se podem ver” [os peixes]. Assim, o Sábio não se aflige com limitações interiores, nem se envergonha das suas aspirações. Uma coisa ele não conseguirá: é furtar-se aos olhos dos homens.
Lê-se ainda nos Cantares (262, 7): “Perante as fendas do quarto / Não tenhas tu de corar.”
Por isso o Sábio, mesmo quando parado, é circunspecto; mesmo sem falar, o acreditam.
Vem no Livro dos Cantares (308): “A oferta é sem palavras / Mas na altura ela não falta”. Quer isto dizer que o Príncipe não precisa de galardoar, para estimular o povo. Sem se enfadar, ele impõe-se mais do que pelas adagas das insígnias.
Diz outra Canção (275): “Não se exibir, é virtude. / Assim o imitem os Príncipes”. Cultivando, pois, a modéstia, o Príncipe assegura a tranquilidade do Império.”
E mais uma vez os Cantares (247, 7): “O saber. Eu acarinho / Que não se exibe em voz alta.” Observou o Mestre: “É que as vozes e o espetáculo são o que menos educa o povo. Pois diz outra Canção (266, 6): ‘Pena leve é a virtude.’ E ainda assim há penas e penas.
Quando o Deus Altíssimo atua, é sem ruído nem cheiro. Nisso está a perfeição”.
Tradução do Padre Joaquim A. de Jesus Guerra, S.J., para a coleção “Na Escola de Confúcio” dos Padres Jesuítas Portugueses. Macau, 1984.